Reli, neste final de semana, “Blogs do Além” (Realejo), o bem-humorado livro de Vitor Knijnik com pseudo crônicas de importantes personalidades nacionais e internacionais. Eu li esta obra pela primeira vez em 2011, quando ela foi lançada. Na época, eu era tão fã da coluna “Blogs do Além” que Knijnik mantinha na revista Carta Capital que saí correndo pela cidade para comprar o livro assim que soube de sua publicação. Toda semana, eu começava a leitura da revista de Mino Carta pelas páginas da seção de Vitor Knijnik. Achava a proposta do colunista simplesmente genial e seu texto magnífico. Agora, reli esse livro para poder comentá-lo aqui no Blog Bonas Histórias.
A coluna “Blogs do Além” consistia em divulgar páginas fictícias de grandes personalidades mortas como se elas pudessem conversar conosco sobre questões atuais e históricas. Assim, tínhamos textos psicografados (em primeira pessoa) de Jean-Paul Sartre, Ayrton Senna, Agatha Christie, Gandhi, Barão do Rio Branco, Platão, John Lennon, Simone de Beauvoir, Sigmund Freud, Luís Vaz de Camões, Napoleão Bonaparte, Lady Di, Yuri Gagarin, Charles Miller, Mao Tsé-tung, Carmen Miranda, Charlie Chaplin, Coco Chanel, etc. Obviamente, Vitor Knijnik se passava por essas figuras, relatando seus depoimentos de maneira muito engraçada. Em muitas oportunidades, chorei de rir lendo sua coluna.
O livro “Blogs do Além” é uma compilação de 99 colunas publicadas por Knijnik na Carta Capital entre 2008 e 2010. Esta é a primeira obra literária do autor. Vitor Knijnik é gaúcho e trabalha como publicitário na cidade de São Paulo, sendo atualmente sócio de uma agência de publicidade. A coluna “Blogs do Além” conquistou, em 2010, o Prêmio do Júri do The Bobs na categoria The Best of Blog. Ou seja, foi eleito o melhor blog de humor do mundo pela Deutsch Welle, uma das maiores empresas de mídia da Alemanha. Nada mal, hein?!
A graça do livro “Blogs do Além” começa com as misturas inusitadas feitas por seu autor, sempre com muita inteligência e sarcasmo. A brincadeira aqui está em trazer de volta grandes personalidades póstumas como se elas ainda pudessem se manifestar diretamente com o público leitor através de blogs. Como o próprio Knijnik escreve ironicamente no prefácio desta obra, ele tem a capacidade de psicografar essas personalidades sempre em português, uma espécie de idioma universal dos grandes nomes da humanidade. Hilário!
Para achar graça nos textos de Knijnik é preciso, antes de qualquer coisa, repertório. Cada linha dos blogs dessas personalidades já falecidas faz referência a passagens históricas e conceituais de seus autores. Não vá querer achar graça nos relatos de Simone de Beauvoir, por exemplo, se você não conhecer a relação dela com Jean-Paul Sartre. Não espere rir do texto de Charles Muller se você não souber a realidade atual do futebol brasileiro. E não imagine também soltar gargalhadas do blog do PC Farias se você não se lembrar de quem ele foi, o que fez e, principalmente, como morreu. Grande parte do humor do livro está ligado à capacidade do leitor em relacionar aspectos do passado e do presente.
Um dos elementos mais interessantes do trabalho de Vitor Knijnik está em misturar, o tempo inteiro, a chamada “alta cultura” com a cultura popular. Assim, temos filósofos gregos falando sobre as letras de pagodes brasileiros, esportistas do passado comentando piadas contemporâneas sobre eles mesmos, William Shakespeare reclamando dos comentários dos internautas sobre suas obras, Jung explicando como se deu a briga dele com Freud e pensadores clássicos debatendo as ações dos políticos brasileiros no Congresso Nacional.
Além de misturar alta e baixa cultura, há também a intersecção entre a realidade do exterior com as questões típicas do dia a dia no Brasil. Por exemplo, Michael Jackson afirma, em seu blog, que irá votar em Antony Garotinho nas próximas eleições do Rio de Janeiro. Afinal, ele não vive sem um garotinho... E George Orwell analisa os programas de televisão Big Brother Brasil e A Fazenda, a partir dos seus romances que inspiraram essas atrações.
Como é possível reparar, em muitos casos há uma linha tênue entre o humor feito e o politicamente incorreto. Isso fica mais claro no material sobre Ayrton Senna, Monteiro Lobato e Michael Jackson. Sinceramente, eu gostei do tipo de humor aplicado em “Blogs do Além”. Não vi nada ofensivo nem algo que pudesse ultrapassar o limite do ético e do bom gosto.
Outra mistura muito interessante é entre passado e presente. Santos Dummont reclama veementemente sobre as condições dos aeroportos nacionais. J. D. Salinger faz uma análise das grandes tragédias a partir das perspectivas dos leitores de “O Apanhador no Campo de Centeio”, seu romance clássico. E Henry Ford tenta revolucionar mais uma vez a indústria automobilística.
“Blogs do Além” é uma leitura realmente muito divertida. O livro possui aproximadamente 240 páginas. Como seu texto é leve e engraçado, é possível ler a obra inteira em uma única tarde ou em duas noites. Foi o que aconteceu comigo no último final de semana. Li (pela segunda vez) o livro ao longo da tarde de sábado.
De pontos negativos sobre a obra, posso apontar o prefácio de Mino Carta (texto muito genérico, que não dialoga com a proposta do livro nem enaltece o trabalho de Knijnik), o projeto gráfico tímido (que em alguns momentos dificulta a leitura) e a falta de padrão entre o tamanho dos capítulos (há blogs com apenas uma página e outros com três). Infelizmente, há também algumas piadas que envelheceram e que se tornam difíceis de serem compreendidas atualmente (por isso, a necessidade cada vez maior de legendas – o que atrapalha a leitura e tira a espontaneidade do texto).
Apesar de adorar o trabalho literário de Vitor Knijnik e a ousadia de “Blogs do Além”, achei que o livro é menos engraçado do que as colunas da revista Carta Capital. Curioso isso, né? Minha hipótese é que quando os blogs psicografados estão inseridos no interior de uma publicação séria, eles se tornam ainda mais divertidos. Além disso, esse material é para ser lido aos poucos (um por semana é uma boa dose) e não de maneira contínua. Quando reunidos em uma única obra e lidos na sequência, grande parte da graça do seu texto fica diluída. Ao menos foi essa a impressão que tive. Se dou nota 10 para a coluna “Blogs do Além”, para o livro dou um mísero 7. É uma boa nota, é verdade, mas muito inferior à avaliação que tenho do material publicado na revista.
De qualquer maneira, “Blogs do Além” é uma leitura obrigatória para quem gosta de uma proposta literária inteligente e bem-humorada. Este é um dos livros mais inovadores que vi nos últimos anos em nosso país. Ele foi muito bem projetado e muitíssimo bem executado. Gosto de ver quando um trabalho encanta os leitores de forma perspicaz. Sou um grande fã até hoje de Vitor Knijnik. Ele teve uma ideia que gostaria de ter tido. Porém, ele possui um talento para viabilizar sua proposta que admito jamais possuir. Por isso, minha sincera admiração por seu brilhantismo.
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