O Desafio Literário deste mês foi ler e analisar as obras de Ignácio de Loyola Brandão. As matérias-primas para este estudo foram os livros: "Não Verás País Nenhum" (Global), "Zero" (Global), "O Menino que Vendia Palavras" (Objetiva), "Melhores Crônicas de Ignácio de Loyola Brandão" (Global) e "Melhores Contos de Ignácio de Loyola Brandão" (Global).
Loyola Brandão nasceu em 31 de julho de 1936, em Araraquara, no interior de São Paulo. Por causa da data de nascimento, dia de Santo Ignácio de Loyola, recebeu o nome do santo. Depois de trabalhar na adolescência como crítico de cinema e jornalista em pequenos periódicos da sua cidade natal, Ignácio se mudou para São Paulo, em 1957. A ideia era prosseguir na carreira de jornalista. E foi o que fez. Trabalhou nos jornais "Última Hora" e no "O Estado de São Paulo", em revistas da editora Abril - "Cláudia", "Setenta" e "Realidade" - e em revistas da editora Três - "Planeta", "Ciência e Vida", "Status", "Vogue", "Homem Vogue" e "Lui".
A partir de 1965, Ignácio de Loyola Brandão passou a publicar livros. Estava inaugurada a carreira de escritor, seguida concomitantemente a de jornalista. Como escritor, ele se caracterizou como um autor eclético. Escreveu contos, romances, crônicas, obras infantis, bibliografias, livros especiais com a história de algumas empresas e livros de viagens e de esportes. Até peças de teatro e roteiros de cinema chegou a produzir. São ao todo mais de 40 livros editados. Com um estilo próprio, alinhando sarcasmo, preocupação ambiental, críticas sociais, inovações estéticas e linguagem coloquial, o paulista marcou época, principalmente na ficção.
Os prêmios recebidos foram variados. Em 1968, o escritor recebeu o Prêmio Especial do I Concurso Nacional de Contos do Paraná por "Pega Ele, Silêncio" (Global) e o Prêmio Governador do Estado pelo roteiro do filme "Bebel que a Cidade Comeu". Em 1976, o romance "Zero" recebeu o prêmio de "Melhor Ficção", concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal. A Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) concedeu ao romance "O Ganhador" (Global), de 1987, o título de melhor livro daquele ano. "Não Verás País Nenhum" recebeu o Prêmio Instituto Ítalo-latino-americano como o melhor livro latino-americano publicado na Itália no biênio 1983-1984. Em 1997, "Veia Bailarina" (Global) ganhou o Prêmio da APCA como melhor livro do ano e, em 1999, "O Homem que Odiava a Segunda-Feira" (Global) conquistou o Jabuti como o melhor livro de contos.
No finalzinho de 2000, "Zero" foi eleito pelo jornal "O Globo" e pela revista "Manchete" como um dos 100 melhores romances brasileiros do século passado. Em 2008, foi a vez das premiações incluírem o gênero infantil. "O Menino que Vendia Palavras", lançado naquele ano, ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção e o Prêmio Fundação Biblioteca Nacional, como melhor livro infantojuvenil.
O maior sucesso editorial de Loyola Brandão foi "Não Verás País Nenhum". Sua vendagem alcançou a casa dos 600 mil exemplares. O romance teve traduções para o inglês, o italiano, o alemão e o norueguês.
"Não Verás País Nenhum" é um livro espetacular. Além de divertido, ele consegue ainda ser muito atual. Afinal, estamos falando da destruição da floresta Amazônica (a cada dia ela fica menor), os efeitos do clima em nossa vida (o superaquecimento planetário não para), a falta de chuva e de água (principalmente em São Paulo, que passa por uma crise hídrica sem precedentes), os conflitos sociais e regionais (as últimas eleições provaram o quanto ainda há embates políticos entre as diferentes regiões do país) e a violência policial em nossa sociedade (não mais aplicada pelos militares, mas pelas forças de segurança pública).
Se considerarmos o número de exemplares vendidos, na segunda posição do ranking particular de Ignácio de Loyola Brandão aparece "Zero". Foram comercializadas aproximadamente 300 mil unidades deste título. Além da versão em português, ele teve traduções para o inglês, o italiano, o alemão, o francês e o coreano
"Zero" é um livro único e extremamente inovador. Com humor ácido, notas de rodapé corrosivas, uma violência descomunal e a linguagem coloquial, ele conseguiu marcar história no mercado editorial brasileiro. Apesar dos prêmios conquistados, o governo militar brasileiro censurou a obra por alguns anos. Sua proibição, é claro, atiçou a curiosidade do público leitor. Muitos críticos consideram essa a melhor obra da carreira de Loyola Brandão.
Em seguida, no critério de vendas, surgem "Verde Violentou o Muro" (Global) e "Manifesto Verde" (Global). O primeiro vendeu 260 mil e o segundo 200 mil livros. Ou seja, estamos falando de um escritor brasileiro com mais de 2 milhões de livros vendidos durante sua carreira. Trata-se de um grande feito, principalmente pela literatura de Ignácio de Loyola Brandão jamais ter se curvado aos apelos populares e à escrita fácil das massas.
Os romances de Loyola Brandão, principalmente "Zero" e "Não Verás País Nenhum", misturam ativismo ecológico com críticas político-sociais. A destruição do meio ambiente é denunciada pelo autor, assim como as mazelas sociais e as falcatruas e os descasos dos políticos nacionais. Os grandes responsáveis pela degradação ambiental, econômica e social que o país viveu nas décadas de 1960, 1970 e 1980 (e ainda vive) são os políticos, culpados por depredar o patrimônio nacional em benefício próprio. A população brasileira também foi, de certa forma, culpada pelos acontecimentos, por ser passiva e leniente aos desmandos das autoridades.
Com um humor pesado, recheado de ironias ácidas e com uma atmosfera sufocante, as obras de Ignácio de Loyola Brandão são pautadas com várias discussões reflexivas. Ora são os diálogos travados pelos personagens que enriquecem o debate com temas polêmicos, ora são os pensamentos e as divagações dos personagens principais, que tentam entender o que está acontecendo a sua volta.
A grande ousadia estética do escritor surge em "Zero" Ao lê-la, me senti em uma música da Tropicália. Ou em um videoclipe da MTV. Ou mesmo no meio do filme "Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância" (Birdman: 2015). Afinal, as coisas vão acontecendo no livro sem uma lógica pré-definida. Sua história é contada por meio de fragmentos, textos desconexos e imagens atiradas aos olhos do leitor perplexo. A narrativa é ao mesmo tempo caótica e muito engraçada. Este é realmente o livro mais inquietante e inovador do paulista.
A violência, o pessimismo, a sátira, o grotesco e a desconexão estética e conceitual dão o tom na maioria dos romances. Como pano de fundo, temos a repressão (da Ditadura Militar) e o desejo de liberdade (política e de expressão, tão presentes nas décadas de 1970 e 1980). O tom dos livros é ácido, cheio de explicações corrosivas por parte do autor. A linguagem é popular, com grande oralidade e (propositadamente) um tanto desbocada. Não há pudor em descrever cenas de sexo, violência ou as deformações físicas das personagens. O estilo jornalístico das narrativas aparece não apenas nos romances, mas também nos contos e nas crônicas.
Apesar de não ter obtido tamanho sucesso com seus contos quanto teve com os romances, o escritor natural de Araraquara acabou escrevendo mais livros deste tipo de gênero do que propriamente romances. A primeira obra dele foi justamente um livro de contos: "Depois do Sol" (Global), publicado em 1965. Depois vieram mais seis obras do gênero: "Cadeiras Proibidas" (Global), de 1976, "Pega Ele, Silêncio" (Global), de 1976, "Obscenidades para uma Dona de Casa" (Global), de 1981, "Cabeças de Segunda-feira" (Global), de 1983, "O Homem do Furo da Mão" (Global), de 1987, e "O Homem que Odiava Segunda-feira" (Global), de 1987.
Como contista, Loyola Brandão mantém as características já constatadas nos romances: linguagem coloquial, estilo jornalístico, humor ácido e histórias com certo devaneio narrativo. A maioria dos contos tem tramas em primeira pessoa, geralmente com um homem expondo seu ponto de vista sobre um acontecimento inusitado. O tom das histórias mistura o sobrenatural com a denúncia social.
Esse estilo pode ser evidenciado na coletânea “Melhores Contos de Ignácio de Loyola Brandão”. A obra reúne pequenas narrativas publicadas originalmente pelo autor entre 1976 e 1987. As histórias do livro foram selecionadas por Deonísio da Silva, importante crítico literário brasileiro.
As histórias infantis, por sua vez, são leves e envolventes. Com muitas ilustrações e pouquíssimas páginas (uma característica deste gênero como um todo e não da literatura deste autor específico), estes livros agradam em cheio a criançada. As obras apresentam a importância da leitura para a meninada, da proteção do meio ambiente e das relações humanas. Ou seja, é em parte a mesma temática dos livros adultos, porém, adaptados para a linguagem infantil.
Muitas vezes, Loyola Brandão utiliza-se de fatos verídicos para elaborar essas tramas infantojuvenis. Situações pessoais vivenciadas pelo escritor em sua infância servem de mote para a criação ficcional. Um bom exemplo disso é “O Menino que Vendia Palavras”. Este livro é maravilhoso!
As crônicas abordam assuntos do dia a dia do escritor: o cotidiano em uma grande cidade como São Paulo, as lembranças do passado vivenciado no interior, em Araraquara, as pessoas curiosas que o escritor conheceu ao longo da vida, as relações com amigos e familiares e as análises culturais. A coluna assinada semanalmente no jornal "O Estado de São Paulo" por mais de uma década foi a responsável por abastecer a literatura de Loyola Brandão com textos deste tipo de gênero narrativo.
Boa parte delas é apresentada no livro "Melhores Crônicas de Ignácio de Loyola Brandão". A coletânea organizada por Cecília Almeida Salles, professora de Comunicação e Semiótica da PUC, reúne 111 crônicas publicadas por Loyola Brandão entre 1993 e 2004 no jornal paulista.
Ignácio de Loyola Brandão é, sem dúvida nenhuma, um dos principais escritores brasileiros da atualidade. Não ficarei surpreso se nos próximos anos ele for agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante da Língua Portuguesa. Acho que ele e sua obra estão à altura do legado de Alberto da Costa e Silva, Dalton Trevisan, Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro e Lygia Fagundes Telles, autores nacionais que receberam tal premiação nos últimos anos.
É interessante notar que próximo de completar 80 anos de idade, Loyola Brandão se mantém ativo e publicando novidades. Ele aparece com regularidade em eventos do mercado editorial e na mídia. É muito bom ver alguém que é apaixonado pela literatura se dedicando com tanto prazer e afinco aos seus livros.
Admito ter adorado o Desafio Literário de agosto. Com a análise do estilo narrativo, a discussão das principais obras e a apresentação do panorama geral da carreira de Ignácio de Loyola Brandão, acredito ter cumprido a missão que me impus neste mês no Blog Bonas Histórias.
Em setembro, a proposta é analisar outro escritor, dessa vez estrangeiro. O alvo do estudo do Desafio Literário será Harlan Coben, best-seller norte-americano especializado em thrillers. Não perca as próximas análises literárias do Bonas Histórias. Até mais!
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