Os anos de 1960 marcaram a transição da supremacia do rádio para o início da dominação da televisão. Depois de viver seu auge entre as décadas de 1940 e 1950 (conhecida como a "Era de Ouro"), o rádio entrou em rápida decadência. A maior prova dessa mudança aconteceu com as novelas. As radionovelas, sucesso estrondoso até então, deu lugar para as telenovelas, desaparecendo de vez da programação. Muitos atores acostumados apenas a oferecer suas falas e profissionais especializados em áudio perderam seus empregos e não puderam ser aproveitados na televisão. Assim, a imagem superou a voz. A fase complicada do rádio e, por extensão, das radionovelas é o tema principal da ótima e da engraçadíssima peça teatral "Caros Ouvintes".
Depois de uma longa temporada no Teatro do MASP (Museu de Arte de São Paulo) entre 2014 e 2015, a peça muito bem escrita e dirigida por Otávio Martins chega agora para uma rápida temporada (pouco menos de um mês) no teatro do TUCA (Teatro da Universidade Católica). A estreia na nova casa foi na semana retrasada e eu fui conferir.
"Caros Ouvintes" retrata o último capítulo da radionovela "Espelhos da Paixão". A história da peça é ambientada na cidade de São Paulo durante o ano de 1968. A trama se passa inteiramente dentro de um estúdio de rádio na qual a radionovela é encenada. O que era para ser mais um simples episódio da novela radiofônica se transforma em uma grande confusão, gerando as várias sacadas engraçadas da peça.
Primeiro, uma manifestação de estudantes contra o governo militar nas ruas próximas atrapalha a chegada dos artistas e do público. Os ouvintes desejavam acompanhar o último capítulo ao lado do prédio da rádio, uma tradição da época. Depois, o ator principal que fazia o papel do mocinho da novela não comparece ao estúdio, provocando pânico entre os colegas e a direção da produção. Fica-se sabendo que ele foi preso no dia anterior pela polícia. Era comunista.
Há também o surgimento de um dos patrocinadores da novela desejando aparecer no ar e comandar uma promoção ao vivo, para desespero do locutor oficial e do diretor do programa. Além disso, os atores e os funcionários da rádio descobrem neste dia várias fofocas dos colegas e os problemas da rádio, que irão impactar em seus futuros profissionais e em seus contratos de trabalho. E, para completar (ufa!), o diretor da novela e o sonoplasta são obrigados a lidar com a vaidade e o ego inflado dos vários artistas no último episódio. Ou seja, o estúdio é um barril de pólvora, pronto para explodir, justamento no dia mais importante para a emissora: o último capítulo da novela.
A peça é muito engraçada. Os diálogos e os momentos dramáticos são excelentes. O figurino e a ambientação nos levam realmente para os anos de 1960. O contexto histórico (ditadura militar e demais acontecimentos mundiais da época) é inserido adequadamente na trama. Todos os atores estão muito bem em seus papéis. Destaque para Petrônio Gontijo como Vicente Martinho, o diretor da radionovela, Alex Gruli como Eurico Boavista, o sonoplasta da novela, e Eduardo Semerjiam como Péricles Gonçalvez, um dos atores da radionovela. Os três puxam as cenas mais hilárias de "Caros Ouvintes".
Além do humor leve e inteligente, da excelente produção e da ótima atuação dos atores, "Caros Ouvintes" permite a uma geração que não conheceu de perto as radionovelas aprender como era este tipo de produção. Eu jamais havia visto ou ouvido um tipo de novela deste gênero. Achei espetacular! Sem sombra de dúvida, essa é uma das melhores peças em cartaz em São Paulo no momento (se não for a melhor). Ela rivaliza com "O Homem de La Mancha" (Teatro do SESI) e "Doze Homens e um Segredo" (Teatro Jaraguá) no topo do ranking das melhores. O valor do ingresso é R$ 60,00 (as sextas-feiras) e R$ 70,00 (sábados e domingos).
Como a nova temporada vai até o final deste mês, é bom os interessados correrem para adquirir suas entradas e para assistir a peça. Tenho certeza que quem for ver "Caros Ouvintes" não irá se arrepender. Corra, então!
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