Depois de ler um livro de contos ("O Fio das Missangas") e um romance ("Terra Sonâmbula"), mergulhei desta vez nas crônicas de Mia Couto. Optei por "E Se Obama Fosse Africano?" (Companhia das Letras), a obra mais recente desse gênero escrita pelo moçambicano. Publicado originalmente em 2009, este livro reúne essencialmente palestras realizadas por Couto na África, na Europa e no Brasil. A única crônica que não foi extraída de palestras foi exatamente a que nomeia o livro. Esse texto é um artigo publicado no jornal Savana de Maputo (Moçambique) que analisa a repercussão no continente africano da vitória de um negro para a presidência dos Estados Unidos.
Os temas abordados pelo autor no livro são variados: importância da língua para a formação cultural de um povo; análise dos problemas atuais da África para o progresso do continente; importância da poesia e da ciência andarem lado a lado; relevância e influência das obras de Jorge Amado para os escritores e para os leitores africanos; paradoxo entre a vontade e a necessidade do ser humano em viajar e se deslocar e a cultura do sedentarismo e a permanência em um mesmo local; debate sobre os problemas típicos do ser humano, focando principalmente nas características do moçambicano e do africano; descrição das armadilhas que atrapalham a tentativa de tornarmos o mundo mais nosso e mais solidário; apresentação das influências de João Guimarães Rosa na literatura africana de língua portuguesa; análise da atitude de descrença em relação ao futuro; debate sobre a violência e a opressão contra as mulheres, as crianças, os idosos e algumas etnias na África; apresentação das formas de violência oculta da sociedade moçambicana e discussão do mito de que os moçambicanos são um povo pacífico; análise da biografia de Henri Junod, um religioso suíço que viveu na África no final do século XIX e início do século XX; debate entre tradição e diversidade como formas de enriquecimento cultural; evolução da língua portuguesa em solo moçambicano após a independência do país em 1975; análise dos pecados do esquecimento dos ensinamentos dos períodos de guerra; e discussão sobre as comemorações, no continente africano, da vitória de Obama para presidente dos Estados Unidos.
Ler "E Se Obama Fosse Africano?" é como conversar diretamente com Mia Couto. A oralidade deste livro é acentuada, pois se trata de transcrições de palestras do autor. O mais interessante desta obra está no fato de podermos conhecer mais profundamente as ideias e as opiniões do autor. Ler os romances e os contos nos dá uma boa ideia da concepção de mundo do escritor. Vê-lo, por sua vez, discorrer diretamente sobre os vários assuntos do seu país, do seu continente, do seu cotidiano, da literatura e da condição humana através de crônicas é infinitamente mais profundo. Acabamos tendo uma leitura exata e precisa do que Mia Couto pensa e de como ele concebe o mundo.
Os textos deste livro são militantes. Mia Couto aborda os principais problemas e os impasses do desenvolvimento dos povos africanos e de Moçambique de maneira sincera e serena. Como escritor e biólogo, Couto debate cada tema com grande rigor intelectual e com uma forma poética de apresentar seu ponto de vista. Ele usa muitos exemplos do cotidiano, apresenta histórias interessantes e cita personagens curiosos. Ao invés de ir de um ponto a outro em linha reta, como seria de se imaginar, Mia prefere sempre utilizar curvas e desvios, enriquecendo seus ensaios. Assim, a prosa se torna saborosa. Recheada de humor e com referências literárias, "E Se Obama Fosse Africano?" é um livro cujo objetivo é retratar a realidade atual do continente africano, a partir do ponto de vista de Mia Couto.
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