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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Filmes: Rock´n Roll, Por Trás da Fama - A comédia de Guillaume Canet


1917, filme de Sam Mendes

No começo de maio, comentei na coluna Cinema do Bonas Histórias as novidades do Festival Varilux de Cinema Francês desse ano. Fiz isso no post de “A Excêntrica Família de Gaspard” (Gaspard Va Au Mariage: 2017), o mais recente filme do polêmico Antony Cordier. Com o fechamento das salas de cinema em nosso país, a organização do evento adiou para o segundo semestre a exibição da mostra de 2020 e lançou uma edição comemorativa online. Chamada de Festival Varilux em Casa, essa edição complementar apresenta um pot-pourri com cinquenta longas-metragens apresentados nas últimas edições. Assim, quem aguarda a chegada do novo festival fechadinho em sua residência pode assistir pelo site do evento aos títulos que perdeu nos últimos anos. Mesmo não sendo muito fã das plataformas de streaming, admito que estou matando as saudades da sétima arte com vários dos títulos do Festival Varilux em Casa.


Nesse final de semana, por exemplo, conferi “Rock´n Roll - Por Trás da Fama” (Rock'n Roll: 2017), a comédia do ótimo Guillaume Canet. Canet tem se caracterizado por misturar, nos últimos anos, realidade e ficção em seus filmes e por protagonizar nas telonas as histórias que ele mesmo cria e dirige. Não por acaso, em “Rock´n Roll”, o diretor-ator junta essas duas características. Guillaume Canet interpreta a si mesmo em uma trama intimamente ancorada em sua biografia. A junção de realidade e ficção se intensifica ainda mais com a presença de Marion Catillard, atriz francesa que é a namorada de Canet na vida real. Nesse filme, ela também interpreta a si mesma, dando ainda mais verossimilhança à narrativa.


Grande parte da graça e do charme dessa produção está justamente na mistura íntima entre o que é verdade e o que é invenção do seu roteiro. Não são apenas Guillaume Canet e Marion Catillard, os protagonistas, que se auto interpretam nesse longa-metragem. Quase todas as personagens são encenadas por suas versões verídicas: Philippe Lefebvre, Camille Rowe, Gilles Lellouche, Yvan Attal, Johnny Hallyday, Maxim Nucci, Kev Adams, Ben Foster, Andy Picco, etc. Muitas delas são figurinhas carimbadas do Bonas Histórias. No ano passado, por exemplo, analisamos “Um Banho de Vida” (Le Grand Bain: 2018), a criativa comédia de Gilles Lellouche na qual Guillaume Canet foi um dos intérpretes.

Filme Rock´n Roll, Por Trás da Fama

Orçado em 18 milhões de euros, um valor elevado para o padrão europeu, “Rock´n Roll - Por Trás da Fama” foi lançado em fevereiro de 2017 nos cinemas franceses e, no Brasil, integrou o Festival Varilux daquele mesmo ano. Apesar de ter conseguido um público superior a dois milhões de espectadores em seu país natal, o filme foi considerado um fracasso do ponto de vista comercial. Ele gerou um prejuízo na casa de 9 milhões de euros (metade de seu custo), o que representou a maior derrapada de Guillaume Canet à frente de um longa-metragem. Como prêmio de consolação, o ator foi indicado ao César de 2018 pelo papel desempenhado em “Rock´n Roll” – estatueta essa conquistada por Swann Arlaud em “O Pequeno Fazendeiro” (Petit Paysan: 2017).


No enredo de “Rock´n Roll - Por Trás da Fama”, Guillaume Canet é um ator consagrado em seu país. Aos 43 anos de idade, ele estrela boas produções, é admirado pelo público, foi indicado ao último César, o Oscar francês, e tem uma condição financeira invejável. No momento, ele roda um filme em que interpreta o pai de Camille Rowe, atriz de 23 anos. Como Rowe, no filme dentro do filme, teve um garotinho, Guillaume é, portanto, avô de um recém-nascido em seu novo trabalho nas telas. Na vida particular, Guillaume Canet vive há anos com a namorada Marion Catillard, uma das principais estrelas do cinema europeu. O casal mora junto (apesar de não se considerar casado) e tem um filho, Lucien, de oito anos. Quase tudo parece em ordem para o protagonista de “Rock´n Roll”. Com exceção de um leve desconforto em um dos testículos, o ator tem uma rotina saudável, tranquila e agradável. Até que...


Após uma entrevista para a imprensa cinematográfica, Canet fica indignado com a postura de uma jornalista que teria insinuado que ele não pertencia mais a nova geração de atores da França. Como assim?! Ele tenta argumentar que só tem 43 anos. Ela, então, tenta sair da saia-justa dizendo que ele não tem mais a imagem de garotão de outrora. Guillaume fica bravo e, após a entrevista, questiona sua colega, Camille Rowe, sobre a discussão com a jornalista. Camille concorda com a profissional da imprensa. Canet não é mais o garotão de duas décadas atrás. Segundo Camille, ele passa agora a imagem de um jovem senhor: casado, pai de família, com uma rotina assentada e dono de uma vidinha convencional.


Aquelas palavras caem como uma bomba na cabeça do ator. Desejando readquirir a juventude perdida, Guillaume Canet passa a ansiar por uma atitude mais rock´n roll (essa é sua definição para o que deseja). Assim, ele tentará mergulhar no mundo das bebidas, das drogas, do flerte com os jovens, do sexo casual, das roupas da moda, da boemia e das festas descoladas de Paris. O objetivo, acima de tudo, é passar a imagem de um jovem inconsequente que aproveita os prazeres carnais da vida como se não houvesse amanhã. Não há nada pior, em sua visão, do que o símbolo do homem pacato, pai de família e que leva uma existência regrada e cumpridora de horários.

Filme Rock´n Roll, Por Trás da Fama

Contudo, para o desespero de Canet, seu corpo dá sinais de que a nova vida pretendida não é mais para alguém da sua idade. Além disso, os profissionais do cinema francês, os amigos mais próximos e os familiares parecem querer fechar as portas para suas novas pretensões como artista e indivíduo. Ninguém entende sua necessidade por uma aparência e uma postura mais jovens. Por isso, o ator de meia idade irá romper com tudo e todos em busca da fórmula mágica da juventude eterna. Assim, é iniciado o processo de transformação física e mental que trará consequências inimagináveis para ele, seus colegas e sua família.


“Rock´n Roll - Por Trás da Fama” tem pouco mais de duas horas de duração. A mistura bem azeitada de ficção e realidade confere certo ar de documentário à produção. Porém, não nos esqueçamos: esse filme é uma mera ficção. Ele trata, ora com leveza encantadora, ora com acidez mordaz, um tema cada vez mais comum em nossa sociedade - a disputa desesperada dos homens vaidosos contra os efeitos da passagem do tempo em seus organismos.


Não à toa, as transformações (ou seriam transmutações?) faciais e corporais que a personagem de Guillaume Canet passa no filme a deixa parecida a várias personalidades bizarras do nosso mundo artístico. Por exemplo, seu rosto adquire a aparência estranha da face de Nelson Rubens, de Diogo Vilela e de Walter Mercado (lembra dele?) depois das sucessivas plásticas (que, obviamente, todos eles sempre negaram). No caso do novo corpo de Canet, ele fica idêntico ao Marcos Mion, artificialmente bombado depois de chegar à meia-idade. Na mentalidade, as semelhanças são mais com Stênio Garcia, que insiste em parecer jovem aos quase 90 anos. Essas são algumas associações que me vieram agora à mente. Se você for procurar, na certa levantará facilmente mais uma dezena de artistas brasileiros reais que passaram pelo mesmo drama de Guillaume Canet.


“Rock´n Roll” não é uma comédia que faça o espectador sair rolando de rir. O filme possui uma pegada mais de tragicomédia. Isso fica mais claro em sua metade final. As cenas mais engraçadas são aquelas que exigem certo repertório da plateia em relação à língua francesa (sotaque antigo de Quebec, por exemplo), à dinâmica da cidade de Paris (o que foi moda na década de 1980 e 1990 e que não existe mais por lá), ao panorama musical francês (dicotomia entre músicas bregas antigas e canções contemporâneas de sucesso), à biografia de Guillaume Canet e Marion Catillard (por exemplo, o fato de eles não serem casados no papel, mas viverem juntos há anos atiça a curiosidade da imprensa local) e à simbologia de algumas das personagens secundárias retratadas na trama (como o roqueiro Johnny Hallyday).

Filme Rock´n Roll, Por Trás da Fama

Infelizmente, isso tudo passa batido pela maioria do público brasileiro, que não conhece tão detalhadamente a cultura francesa. Não é que o longa-metragem de Canet não seja muito engraçado. Somos nós que não entendemos muitas de suas piadas sutis (direcionadas especificamente para seus conterrâneos).


O filme ganha em dimensão narrativa quando o enredo embarca nas divagações, nos sonhos e nos desejos da personagem principal. As brincadeiras entre realidade (dentro da ficção) e imaginação (o que o protagonista gostaria que fosse verdade) oferece boas cenas líricas e cômicas.


Basta assistir a alguns minutos de “Rock´n Roll” para notar o desempenho extraordinário de Guillaume Canet e Marion Catillard. Não é possível tecer uma crítica completa sobre esse filme sem elogiá-los. Eles estão ótimos na difícil arte de interpretar a si mesmos. Só não entendi o porquê Guillaume foi indicado ao César de melhor ator e Marion não foi lembrada na categoria melhor atriz coadjuvante (chamada na França de atriz secundária). Em vários momentos, é ela quem rouba a cena, seja no aspecto cômico ou dramático.


O principal ponto negativo desse longa-metragem está em seu desfecho. Ele é fraquíssimo! O desenlace é ingênuo, infantil, fútil e extremamente condescendente com as maluquices do protagonista de “Rock´n Roll”. Ao invés de jogar a versão ficcional de Guillaume Canet à realidade bruta e impiedosa da passagem do tempo, o roteiro mascara com tintas coloridas o destino dessa personagem. Ou seja, o epílogo é idílico e convenientemente raso. Achei-o bastante ridículo – uma afronta à inteligência dos espectadores. O único aspecto que se salva na parte final é (cuidado: aí vai um spoiler!) a crítica sutil ao cinema norte-americano e, por consequência, à cultura dos Estados Unidos, que valorizam muito mais a beleza estética de seus artistas do que o conteúdo deles. Repare nisso! Uma figura vazia conceitualmente como o protagonista desse filme, mas dono de um corpão admirável e de um rostinho juvenil, irá surfar por muitos anos ainda na América e no show business de lá. Hilário!


Em suma, “Rock´n Roll - Por Trás da Fama” não é o melhor trabalho recente de Guillaume Canet. Mesmo assim, é interessante conferi-lo principalmente pela temática abordada. Se você olhar esse filme pela perspectiva de um drama cômico irá gostar mais do que se vir pelo lado de uma comédia dramática.


Assista, a seguir, ao trailer de “Rock´n Roll - Por Trás da Fama”:

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