Em cartaz nos cinemas brasileiros desde a semana retrasada, “Era Uma Vez Em...Hollywood” (Once Upon A Time In...Hollywood: 2019) é o mais novo filme de Quentin Tarantino. Trata-se, no caso, do nono longa-metragem do diretor norte-americano. Suas últimas criações foram “Os Oito Odiados” (The Hateful Eight: 2015), “Django Livre” (Django Unchained: 2012) e “Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds: 2009). Ao lado de Woody Allen, Pedro Almodóvar, Guilherme Del Toro, Steven Spielberg e Tim Burton, Tarantino é um dos cineastas contemporâneos com um estilo bem definido. Suas produções são inconfundíveis por serem recheadas com referências pop (principalmente em relação à cultura japonesa, ao cinema de faroeste e às histórias em quadrinhos), terem narrativas pouco lineares, possuírem ótimas trilhas sonoras e apresentarem cenas de grande brutalidade (geralmente em um final catártico). De maneira geral, os títulos do diretor flertam com o cinema B e misturam ação, suspense e terror em enredos policiais com muitos tiros, explosões e sangue.
Em suma, ou você gosta da pegada dos filmes de Tarantino ou não (não há meio termo aqui). Como sou fã deste cineasta há muitos anos, desde “Pulp Fiction: Tempo de Violência” (Pulp Fiction: 1994), na semana passada fui até o Espaço Itaú de Cinema da Augusta para conferir “Era Uma Vez Em...Hollywood”. Admito que gostei do que vi. Porém, para ser sincero (e um pouco crítico), achei “Os Oito Odiados”, “Django Livre” e “Bastardos Inglórios” (para ficarmos em uma comparação recente) melhores. Se estes três longas-metragens me pareceram excelentes, o novo é “apenas” muito bom. Por melhor que seja o filme recém-lançado, ainda sim temos uma queda (quedinha, no caso) de qualidade em relação aos trabalhos anteriores de Quentin Tarantino.
Orçado em quase US$ 100 milhões, “Era Uma Vez Em...Hollywood” tem em seu elenco principal Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch e Margaret Qualley. A proposta do filme é servir de grande homenagem ao cinema antigo e ao Western, gênero favorito de Tarantino. As referências cinematográficas já começam pelo título. “Era Uma Vez Em...Hollywood” mistura o nome de dois clássicos de Sergio Leone: “Era uma Vez no Oeste” (Once Upon a Time in the West: 1968) e “Era Uma Vez na América” (Once Upon a Time in America: 1984). A intertextualidade avança com cenas de incontáveis produções do cinema norte-americano das décadas de 1950 e 1960. Quem é cinéfilo encontrará várias e várias referências no meio do filme (umas mais diretas e outras mais sutis). Em alguns casos, os atores atuais contracenam com atores antigos. Apesar de visualmente pobre a união de imagens antigas e novas, a ideia é genial (e hilária).
A apresentação do cinema hollywoodiano no final da década de 1960 extrapola os acontecimentos por trás das câmeras. Tarantino constrói sua narrativa a partir de acontecimentos reais da indústria cinematográfica. Ele mistura, portanto, ficção com episódios verídicos (com a liberdade de recriar a realidade ao seu bel prazer). O mais relevante desses episódios reais é o casamento do jovem e já famoso cineasta Roman Polanski (ainda longe das polêmicas que mais tarde o fizeram fugir dos Estados Unidos) com a atriz Sharon Tate (uma beldade que estava começando a crescer na carreira de atriz). Grávida de oito meses, Sharon foi assassinada brutamente em sua casa por integrantes da seita hippie liderada por Charles Manson, em um dos casos criminais mais importantes da história norte-americana. É esse episódio trágico e marcante que Quentin Tarantino recria em seu novo filme.
Contudo, os protagonistas de “Era Uma Vez Em...Hollywood” não são o casal famoso (e real) em franca ascensão na indústria cinematográfica. Os papéis principais cabem a dois profissionais (ambas personagens fictícias) que estão em um triste ocaso na carreira. Rick Dalton (interpretado por Leonardo DiCaprio) foi um conhecido astro de seriados de faroeste da década de 1950. Agora, em 1969, ele vive a amargura de ser chamado para trabalhos pontuais e pouco dignos para uma estrela de seu calibre. O ator decadente desconta suas frustrações e melancolias no consumo acentuado das bebidas. O alcoolismo acelera ainda mais sua queda.
A fase pouco favorável de Rick Dalton na profissão afeta diretamente a carreira de seu amigo Cliff Booth (Brad Pitt). Booth é (era?) o dublê de Dalton nas séries de TV e nas produções cinematográficas. Com a diminuição de trabalhos do ator, o dublê ficou desempregado (subutilizado seria a palavra mais correta). Sem atuações na frente das câmeras há muito tempo, Cliff Booth passou a ser o assistente pessoal do amigo famoso. É ele quem age como motorista, mordomo, secretário particular e confidente de Rick Dalton.
A esperança de Dalton em voltar ao estrelato reacende quando ele descobre que seu novo vizinho é o jovem e festejado cineasta Roman Polanski (Rafael Zawierucha). Na mansão ao lado, o polonês mora com sua linda esposa, Sharon Tate (Margot Robbie). Assim, Rick Dalton e Cliff Booth aguardam com ansiedade o dia em que poderão ser chamados para visitar o ilustre vizinho e, quem sabe, se tornarão amigos da família influente de Hollywood. Na certa, pensa a dupla, Polanski irá aproveitá-los em seus novos filmes. Como já dizia o velho ditado, a esperança é a última que morre...
Como já havia acontecido em “Bastardos Inglórios” e “Django Livre”, Quentin Tarantino opta, neste novo filme, por recriar a realidade conforme seu interesse e sua imaginação. Sua tentativa pode ser classificada como nobre: corrigir os acontecimentos verídicos e tristes do passado. Nem que para isso, ele precise canalizar toda a violência e a brutalidade dos seus protagonistas ficcionais contra os antigos criminosos de verdade. As cenas de caça aos nazistas em “Bastardos Inglórios” são célebres e podem ser usadas como exemplificação desse tipo de reconstituição. Em “Era Uma Vez Em...Hollywood”, os vilões são os membros da seita hippie de Charles Manson.
Com duas horas e quarenta minutos de duração, o longa-metragem apresenta ótimas cenas e um ritmo narrativo interessante, além de uma trilha sonora impecável. A atuação excelente do elenco também ajuda o público a não perceber que ficou quase três horas diante da tela. Como é típico de Tarantino, o desfecho é do tipo catártico, com uma longa cena de brutalidade (o sangue das personagens parece jorrar para todos os lados).
O que mais gostei deste filme foi a intertextualidade cinematográfica. “Era Uma Vez Em..Hollywood” transpira cinema o tempo inteiro. É muito legal ver os atores fictícios (lembremos que o protagonista é um ator de faroeste) interpretando diferentes papéis no meio do longa-metragem. Assim, esta produção adquire ares metalinguísticos. Acompanhamos os atores 100% do tempo (antes da gravação, durante as filmagens e no pós-gravação; e nos bastidores, na cidade cenográfica, nos camarins, no set de gravação e em casa). O drama de Rick Dalton e Cliff Booth é genuíno e extremamente comovente.
Em conjunto com uma trama dramática, temos uma abordagem divertida e leve. Quentin Tarantino é mestre em cativar sua plateia com diálogos inteligentes, com clima de mistério e com sacadas inusitadas. Este não é dos filmes mais hilários do diretor, mas é possível achar graça em várias cenas (Rick Dalton e Cliff Booth são tão melancólicos que se tornam, no final das contas, personagens trágico-cômicas).
O trabalho de todo o elenco merece rasgados elogios. Não apenas os atores principais (Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie) estão perfeitos em seus papéis como são acompanhados por um grupo fantástico de atores e atrizes coadjuvantes. Até a pequena Julia Butters, com seus oito anos de idade, dá um show de atuação. Admito que não consigo apontar um que tenha se saído melhor.
O único ponto negativo de “Era Uma Vez Em...Hollywood” está em seu conflito narrativo pouco convincente. É perfeitamente salutar retratar um ator que já fora famoso vivendo o ocaso na sua carreira artística. Clássicos do cinema já usaram muito bem esse tema em seus enredos. De cabeça, recordo de “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Blvd: 1950), uma das obras-primas de Billy Wilder. Contudo, neste novo filme de Tarantino, Rick Dalton não é tão decadente assim... Ele é chamado para interpretar vilões na TV e no cinema e é convidado para estrelar alguns filmes de Spaghetti Western (versão italiana dos faroestes norte-americanos). Onde está o drama então?! Vale lembrar que Dalton mora em uma mansão em uma região exclusiva para os milionários de Hollywood. Às vezes, fica um pouco difícil embarcar no conflito desta personagem... Talvez essa falta de identificação da plateia com o desespero genuíno do protagonista prejudique um pouco a força da narrativa do longa-metragem.
Os críticos do cinema de Quentin Tarantino poderão até falar: “Este filme é mais do mesmo!”. Talvez eles até estejam certos em suas reclamações. Assim, como os fãs do norte-americano não estão errados em elogiar: “Mais um longa-metragem com as marcas inconfundíveis do nosso diretor!”. O fato é que quem aprecia o estilo Tarantino e é cinéfilo de carteirinha irá adorar o mergulho do cineasta pelo universo da indústria cinematográfica da década de 1960. Já quem não gosta, terá mais motivos para manifestar sua discordância.
Como já disse, gostei muito de “Era Uma Vez Em...Hollywood”. Se esta é a produção mais fraca do diretor nos últimos dez anos, por outro lado ela é muito melhor do que a maioria das opções em cartaz nas salas de cinema. Ver um Tarantino longe do seu esplendor ainda sim é uma ótima experiência para quem aprecia uma boa trama cinematográfica.
Veja o trailer de “Era Uma Vez Em...Hollywood”:
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