Semana passada, estreou no circuito nacional de cinema “Um Banho de Vida” (Le Grand Bain: 2018), uma comédia dramática francesa com um enredo bem curioso. O filme foi dirigido e roteirizado por Gilles Lellouche, mais conhecido do grande público pelos seus trabalhos como ator. “Um Banho de Vida” é a terceira e, até aqui, melhor experiência de Lellouche atrás das câmeras. Se “Os Infiéis” (Les Infidèles: 2012) e “Problemas de Um Dorminhoco” (Narco: 2003) apresentaram resultados aceitáveis, apesar de algumas polêmicas desnecessárias, em “Um Banho de Vida” o diretor francês parece ter acertado à mão.
Com um orçamento de aproximadamente US$ 22 milhões e com uma bilheteria superior a US$ 36 milhões, o filme teve boa aceitação nas salas de cinema em seu país natal no ano passado. Para completar, ele integrou a mostra Não Competitiva do Festival de Cannes de 2018. Curioso para conferir de perto esta produção, fui ao Reserva Cultural, na Avenida Paulista, na última quinta-feira, para conferi-la em primeira mão. E admito que saí do cinema feliz com o que presenciei. Esta é a comédia mais criativa e inusitada que entrou em cartaz no Brasil nesta temporada.
Com Mathieu Amalric, do recente “No Portal da Eternidade” (At Eternity's Gate: 2018), Jean-Hugues Anglades, de “Grandes Amigos” (Amitiés Sincères: 2012), Guillaume Canet, de “Os Infiéis” e “Problemas de Um Dorminhoco”, Félix Moati, Philippe Katerine, Virginie Efira, de “Um Amor à Altura” (Un Homme à la Hauteur: 2016), e Leila Bekhti no elenco, este longa-metragem se destaca por reunir importantes nomes do cinema francês contemporâneo. Ao lado dessa constelação, ainda temos o belga Benoît Poelvoorde, um dos principais humoristas europeus da atualidade e protagonista do excelente “O Novíssimo Testamento” (Le Tout Nouveau Testament: 2014). Para os cinéfilos de plantão, um dos maiores atrativos deste filme está justamente em conferir a reunião de atores e atrizes de primeiríssimo nível do Velho Continente. Eles desfilam com brilhantismo nas cenas do longa-metragem, conferindo ainda mais graça à sua história.
A proposta de “Um Banho de Vida” é mostrar o drama de um grupo de homens de meia-idade que descobre o prazer de praticar um esporte pouco convencional e visto com preconceitos pela sociedade. Fora de forma e frustrados com suas vidas nos âmbitos pessoal, amoroso, financeiro e profissional, essas personagens encontram no nado sincronizado masculino (sim, existe essa versão da modalidade!) a última gota de alegria em uma rotina entediante e amarga. A trupe pratica o esporte duas vezes por semana em um clube de natação de bairro. Seus resultados estão muito distantes do aceitável. No português correto, suas apresentações são tão horríveis que provocam vergonha em quem as assiste.
A equipe do nado sincronizado é composta por Bertrand (interpretado por Mathieu Amalric), um desempregado que padece há anos de depressão severa, Marcus (Benoît Poelvoorde), um empresário trambiqueiro à beira da falência, Laurent (Guillaume Canet), o executivo arrogante que tem sérios problemas familiares, Simon (Jean-Hugues Anglades), um cozinheiro ingênuo e boa praça que ainda sonha em ser um músico famoso, e John (Félix Moati), um enfermeiro que odeia sua profissão e o cheiro dos pacientes idosos. Além desse quinteto pouco talentoso, ainda temos outras figuras melancólicas, solitárias e problemáticas que integram o grupo.
O time é treinado pela meiga e compreensiva Delphine (Virginie Efira), uma ex-praticante de nado sincronizado que tem um passado de depressão e de alcoolismo. Sóbria há alguns anos, ela gosta de ler obras clássicas enquanto os rapazes treinam livremente na piscina. A treinadora também prioriza a harmonia e o bem-estar do grupo à competitividade interna ou externa da equipe. Por isso, ela é amada por todos os nadadores. Eles adoram seus treinos e seu jeito descontraído e leve de conduzir os trabalhos. Delphine parece conformada em ser a técnica de um grupo de marmanjos velhos, gordos, desajeitados e fracassados.
Apesar de sofrerem de fortes preconceitos em casa, no trabalho e no próprio clube por praticarem um esporte visto como essencialmente feminino, os integrantes da equipe de Delphine se tornam muito unidos. Para eles, os treinos na piscina servem para relaxar e para socializar um pouco, espantando, assim, a solidão e a melancolia de uma existência com pouco sentido e com grandes decepções. O esporte mostra-se um remédio para seus corpos, suas mentes e suas almas doentes.
As coisas começam a sair do controle quando o grupo descobre que haverá um campeonato mundial de nado sincronizado masculino na Noruega em alguns meses. Equipes do mundo inteiro se inscreverem para a competição. Ao notarem que não havia ninguém representando a França, os amigos se inscreveram por impulso. O sonho de poder participar de um torneio internacional é o grande motivador dessas personagens machucadas pela vida e pelo destino. Justamente no momento em que mais precisam treinar, os franceses perdem sua treinadora. Delphine sofre uma crise nervosa e volta às bebedeiras. Em seu lugar, é escalada Amanda (Leila Bekhti), uma cadeirante brava e exigente. Diferentemente da antiga treinadora, a nova é durona e altera radicalmente os treinos. Para Amanda não basta competir, seu time precisa ter a ambição de conquistar os primeiros lugares nos campeonatos. Dessa maneira, do dia para a noite, a vida tranquila dos rapazes dentro da piscina se torna um inferno. A nova treinadora não irá descansar enquanto seus atletas não se tornarem uma equipe de alto rendimento.
“Um Banho de Vida” é um belo filme. Com pouco mais de duas horas de duração, ele consegue emocionar seus espectadores tanto nas cenas dramáticas (presentes mais na primeira metade do longa-metragem) quanto nas cenas cômicas (mais intensas na segunda metade da produção). O equilíbrio, nesse sentido, é perfeito. Primeiramente, conhecemos o drama de cada uma dessas personagens para, só depois, nos divertirmos com suas tentativas de redenção. O roteiro foi muito bem escrito e contribuiu para acentuar o choque entre as partes antagônicas do longa-metragem (um dos pilares do humor deste enredo).
E por falar no humor, ele se faz presente principalmente quando Amanda assume o treinamento da equipe que era de Delphine. Aí as risadas se propagam com força pela sala de cinema. A parte do campeonato mundial também produz ótimas e divertidas cenas, mas para mim os momentos mais hilários ainda sim são dos treinamentos conduzidos pela brava e disciplinada treinadora. Impossível não rir das situações trágico-cômicas que o grupo de homens que queria apenas se divertir na piscina precisa passar.
Também gostei muito da trilha sonora e da maneira como as filmagens foram feitas. As músicas do filme são um charme à parte e foram responsabilidade do norte-americano Jon Brion, músico especializado em trabalhar em produções cinematográficas. A filmagem de “Um Banho de Vida” é produzida por câmeras ágeis, com enquadramentos pouco convencionais e com um bom jogo de luzes (contraste entre claro e escuro). Repare na bela fotografia do longa-metragem francês. O resultado final é uma estética que enaltece o caráter dramático da trama e a interpretação cênica do elenco. As cenas na água tanto na competição internacional quanto nos treinamentos da equipe na academia são bem filmadas e proporcionam leveza e graça à história. De certa maneira, procura-se enaltecer a beleza e a dificuldade do esporte praticado pelas personagens.
Outro elogio que precisa ser feito é para o elenco de “Um Banho de Vida”. Todos os atores e atrizes estão magníficos em seus papéis. As atuações deles saltam aos olhos do espectador sendo difícil apontar quem está melhor. Para mim, todos foram brilhantes, dando um colorido ainda mais especial à sua boa narrativa.
Por falar em história, os dois únicos pontos negativos de “Um Banho de Vida” estão justamente em seu enredo. O início é um tanto pesado e, às vezes, confuso para o espectador que acabou de sentar em sua poltrona na sala de cinema. Na primeira meia hora do longa-metragem, Gilles Lellouche quer retratar os dramas de quatro ou cinco personagens simultaneamente. Não é preciso dizer que o excesso aqui volta-se contra a clareza da trama. Apesar de não ter gostado dessa sobreposição narrativa no início do filme, entendi a escolha do roteirista-diretor. Sem essa contextualização, os três quartos finais do filme não teriam tanta força dramática.
Outra questão sujeita às críticas é o desfecho pouco crível (que obviamente não vou contar aqui qual é, mas vou comentar seu efeito). Para mim, o desenlace pouco verossímil acabou jogando contra toda a proposta realista e ácida do enredo. O exagero do final em nada contribuiu para tornar mais interessante esta história. Basta lembrar que “Jamaica Abaixo de Zero” (Cool Runnings: 1993), um filme com uma pegada muito parecida, conseguiu emocionar a plateia sem cair em armadilhas narrativas hiperbólicas e demagógicas. Por mais que o enredo tente vender a ideia da possibilidade do desfecho escolhido, ainda sim é duro de engoli-lo.
Apesar de um ou dois probleminhas em seu enredo, “Um Banho de Vida” ainda sim é um filmão. Engraçado, emocionante e reflexivo, ele entrega bem o que promete. Com um enredo criativo e cativante, é possível se divertir em sua sessão. Para tal, é preciso gostar do humor francês, que é mais ácido, inteligente e politicamente incorreto do que o norte-americano, por exemplo. Como eu gosto dessa pegada, adorei “Um Banho de Vida”. Esta produção de Gilles Lellouche inverte a lógica dos preconceitos sociais e coloca homens maduros e heterossexuais na linha de frente dos questionamentos da França conservadora dos dias de hoje. Maravilhoso!
Veja o trailer de “Um Banho de Vida”:
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