Ao visitar meus pais em São Paulo no final de semana passado, aproveitei para rever a velha estante de livros da casa deles (que um dia já foi minha também...). Procurava uma obra como companhia para a viagem de retorno para minha casa no interior. Afinal, as horas no ônibus precisavam ser bem gastas. E para minha surpresa, encontrei (ou seria reencontrei?) uma preciosidade: “Um Rosto no Computador” (Ática). O romance policial de Marcos Rey era um antigo livro meu da época da escola. Eu o havia lido há aproximadamente vinte anos. Sentindo um certo saudosismo, escolhi este título como leitura (na verdade, releitura).
Quem foi criança e adolescente entre as décadas de 1980 e 1990 irá com certeza se lembrar de Marcos Rey. O escritor paulistano foi um dos principais autores da Coleção Vaga-Lume, série de romances infantojuvenis publicada pela Editora Ática. A coletânea pautou a iniciação literária de gerações de brasileiros. Comigo não foi diferente. Adorava as histórias de Marcos Rey e da Vaga-Lume. Muitos livros eram utilizados nas escolas públicas e privadas do país como forma de estimular a leitura da garotada. Ainda hoje me recordo de vários títulos e de suas capas memoráveis.
A Coleção Vaga-Lume foi um dos maiores sucessos editoriais de todos os tempos no Brasil. Ela vendeu algumas dezenas de milhões de exemplares. Iniciada em 1973, a série contabilizou mais de 90 títulos ao longo das décadas seguintes. Boa parte dessas obras continua sendo utilizada ainda hoje nas escolas. Ao menos foi o que uma amiga, professora do ensino fundamental, disse para mim recentemente em uma conversa sobre a literatura destinada à criançada. Fiquei feliz de saber que as histórias que líamos no passado ainda são estudadas pela molecadinha atualmente.
Dos livros da Vaga-Lume, aquele que obteve maior vendagem foi “O Mistério do Cinco Estrelas” (Ática). A obra de Marcos Rey, lançada em 1981, alcançou sete dígitos em vendas. É até hoje um dos títulos mais bem-sucedidos do mercado editorial nacional. Nesse romance policial, Leo, um adolescente que trabalhava de mensageiro no Emperor Park Hotel, Ângela, sua namorada, e Gino, o primo de Leo que era cadeirante, conseguem solucionar um crime ocorrido nas dependências do hotel cinco estrelas (daí o nome da publicação). A criançada foi à loucura com uma trama em que adolescentes comuns agiam como Sherlock Homes.
Aproveitando o sucesso, Marcos Rey lançou, nos anos seguintes, mais dois livros com seus mais famosos protagonistas. “O Rapto do Garoto de Ouro” (Ática) foi publicado em 1982 e “Um Cadáver Ouve Rádio” (Ática) chegou às livrarias em 1983. Os pedidos para mais uma história com Leo, Ângela e Gino passaram a perseguir o autor. Marcos Rey criou várias outras tramas policiais para os adolescentes, mas o que todos queriam mesmo era o quarto título da série iniciada com “O Mistério do Cinco Estrelas”. Aí, em 1994, ele, enfim, atendeu aos anseios do seu público. Era lançado “Um Rosto no Computador”.
Neste livro, Leo - Leonardo Fantini - tem dezesseis anos e não é mais um mero mensageiro, bellboy, do Emperor Park. Agora o rapaz é o chefe dos mensageiros do hotel cinco estrelas localizado na cidade de São Paulo. E Leo recebe do gerente do estabelecimento uma importante tarefa: auxiliar as candidatas da A Garota da Capa, um renomado concurso de beleza, no que elas precisarem. Afinal, as moças provenientes do país inteiro ficarão hospedadas no hotel. O evento também será realizado nas dependências do Emperor Park. Com grande cobertura dos jornalistas, A Garota da Capa é um evento midiático. Todos parecem interessados em saber quem será a nova beldade brasileira. Por isso, nada pode dar errado.
A vencedora da competição é uma jovem baiana chamada Camélia. A adolescente de dezesseis anos viajou para a capital paulista escondida da família e participou do concurso de maneira clandestina. Contudo, no dia seguinte à premiação, quando ela e seu agente deveriam receber o prêmio de US$ 50 mil, Camélia desaparece misteriosamente. A suspeita é que ela tenha sido sequestrada. A polícia é chamada, mas pouco consegue avançar nas investigações.
Para solucionar o enigma de uma vez por todas, Leo convoca sua namorada Ângela e o primo Gino para mais uma investigação. Fazia muito tempo que o trio não encarava um desafio tão eletrizante como esse. Os jovens já estavam com saudades desse tipo de ação e dos holofotes que receberam da mídia quando foram os responsáveis pelo esclarecimento dos três casos anteriores.
“Um Rosto no Computador” tem 120 páginas e possui uma leitura rápida. Concluí a obra em menos de três horas. Uma criança e um adolescente levarão provavelmente muito mais tempo. Os capítulos do livro são extremamente curtos - eles possuem em média duas páginas. Para auxiliar na leitura, há ainda algumas ilustrações (recurso fundamental em se tratando de uma obra infantojuvenil). As ótimas imagens, uma das peculiaridades da Coleção Vaga-Lume, dão rostos às personagens e criam uma sensação de maior concretude na cabeça dos leitores.
Na perspectiva do seu público-alvo, “Um Rosto no Computador” é um livro muito bom. Para uma criança e um adolescente, a trama é eletrizante, as personagens são carismáticas, a narrativa é muitíssimo ágil e o conflito é verossímil. Quando lia os livros de Marcos Rey e as obras da Coleção Vaga-Lume eram essas mesmas as minhas impressões (portanto, iguais às que tive durante esta releitura).
Outro aspecto positivo foi ter constatado que a história do livro ainda se mantém atual (algo que, sinceramente, duvidava quando o peguei para reler). A trama escrita na primeira metade da década de 1990 é, quase que vinte e cinco anos depois, perfeitamente compreensível e interessante para os leitores mirins de hoje em dia. Uma ou outra coisinha (desenvolvimento dos computadores, criação da Internet e expansão dos celulares, por exemplo) podem revelar o quanto a tecnologia avançou nas últimas décadas, mas a trama e o conflito em si continuam perfeitamente críveis e saborosos.
Contudo, para um adulto (que fora um fã incondicional de Marcos Rey e que está agora relendo suas obras favoritas da infância), a narrativa pode parecer um tanto simplista em “Um Rosto no Computador”. A história é contada sem uma abordagem psicológica mais profunda das personagens, os protagonistas são figuras planas e um tanto caricatas e não há muito mistério.
Esse último ponto foi o que mais chamou minha atenção. Na primeira página da obra já sabemos quem é o responsável pelo crime. Ou seja, Marcos Rey é ótimo em levar o leitor para o centro da ação, mas não para criar hipóteses que poderiam levar o leitor ao engano (como faziam, por exemplo, Agatha Christie em seus livros e Alfred Hitchcock em seus filmes). Temos, portanto, muita ação, mas pouquíssimo mistério. Para ficarmos em uma comparação mais próxima ao universo infantojuvenil, “O Gênio do Crime”, clássico de João Carlos Marinho Silva, possui muito mais mistério e uma trama policial infinitamente mais intrincada do que “Um Rosto no Computador”. Para ser sincero, este livro é um dos mais fraquinhos que já li de Marcos Rey. “O Mistério do Cinco Estrelas”, a primeira obra com Leo, Ângela e Guido, é cem vezes mais interessante. Os romances seguintes da série também são melhores.
Temos, portanto, muita ação, mas pouquíssimo mistério em “Um Rosto no Computador”. Admito ter ficado decepcionado. Sabe quando você era pequeno e achava a casa onde morava incrível e gigantesca e, após adulto, ao voltar ao mesmo lugar depois de muitos anos de ausência, se depara com uma residência simples e pequena?! Foi exatamente essa a sensação que tive ao ler vinte anos depois “Um Rosto no Computador”. Se para um adolescente a trama de Marcos Rey é emocionante e impecável, basta uma leitura feita por um adulto razoavelmente letrado para essa aura ser desmistificada.
Então, qual a conclusão que eu chego? A literatura de Marcos Rey é ótima para o público infantil e adolescente. Se você é adulto como eu, não leia novamente as obras da série Vaga-Lume. Para não se decepcionar, leia agora as obras produzidas pelo autor paulistano destinadas ao público mais velho. Vale a pena lembrar que Marcos Rey não produziu apenas romances policiais infantojuvenis. Ele, cujo nome de batismo era Edmundo Donato, trabalhou como roteirista de programas de televisão, telenovelas e filmes de pornochanchadas. Seus principais prêmios literários, dois Jabuti, um Juca Pato e um APCA, foram relativos a publicações destinadas ao público adulto. Ou seja, há muita coisa boa que ele criou que a maioria do público infelizmente não conhece.
Que tal, então, largar os velhos livros do passado (que não se enquadram mais em seus hábitos e preferências de leitura) e descobrir um lado novo de Marcos Rey, hein? Essa foi a conclusão que tirei ao final da viagem de volta à minha casa no último final de semana.
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