Darico Nobar: Salve, salve, fãs da literatura clássica. Depois de entrevistarmos muitas personalidades famosas, chegou a hora de conversarmos com um legítimo integrante da família real brasileira. Agora, no palco do Talk Show Literário, o Rei e Profeta do Quinto Império da Pedra do Reino do Sertão do Brasil. Com vocês: Dom Pedro IV, o Decifrador! [O entrevistado entra no auditório ao som de cornetas tocadas por um grupo de músicos vestidos com o uniforme da Guarda Nacional. O apresentador e o público saúdam o monarca inclinando o corpo para frente e mexendo solenemente as mãos em sinal de reverência].
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Boa noite, Dom Darico! Muito obrigado pela recepção segundo a tradição e o protocolo monárquico d'A Pedra do Reino
Darico Nobar: É o mínimo que podemos fazer por Vossa Majestade. Espero que todas as reivindicações entregues à nossa produção tenham sido atendidas conforme seus gostos e vontades.
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Já que o senhor tocou nesse assunto, aviso que faltaram uma ou outra coisa da lista que fiz. Mas não tem problema, não. Sou um rei pouco vaidoso e nada afeito às ostentações. Ao invés das duas mil toalhas brancas, por exemplo, só encontrei noventa no meu camarim. Também não gostei da qualidade da macaxeira e da umbuzada servidas. A alfafa oferecida ao Pedra-Lispe não me pareceu semelhante ao que ele come lá no Sertão. O que mais senti falta, porém, foi dos corpos das dez donzelas decapitadas. Procurei, procurei, mas não achei... Vocês providenciaram?
Darico Nobar: Caríssimo Dom Pedro Dinis, infelizmente não foi possível atendê-lo nesse quesito. Não é nada fácil achar jovens virgens decapitadas no Rio de Janeiro atualmente. Em várias comunidades da cidade até encontramos, junto aos chefes do tráfico, muitas mulheres com as cabeças cortadas. Contudo, nenhuma era virgem. Espero que isso não tenha tornado sua estadia em nosso estúdio ruim.
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Fique tranquilo, meu amigo. Eu mesmo providenciei o tira-gosto da tarde. Sou da família imperial sertaneja. Não há nada que eu não consiga arranjar sozinho. Só peça, por favor, para a sua produção dar uma passadinha no meu camarim para limpar o sangue que ficou espalhado por lá.
Darico Nobar: Sangue?! É para já! [O apresentador fala com a mão no ponto eletrônico pregado ao seu ouvido. Seu tom de voz é bem mais baixo do que o habitual]. Diretor, peça para a Monique e para a Emiliana darem uma boa arrumada no camarim do nosso entrevistado. Parece que está bem sujo por lá. O quê? Elas sumiram há horas?! Depois a gente vê isso, ok? Preciso continuar a entrevista aqui. [O entrevistador volta-se para seu convidado]. Diga-me, Dom Pedro Dinis, a qual gênero literário pertence seu livro?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: De fato, nobres senhores e belas damas de peitos macios, não é fácil enquadrar minha obra-prima em um gênero literário específico. Acredito que o “Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” possa ser definido simplesmente como um romance heroico-brasileiro, ibero-aventureiro, criminológico-dialético, tapuio-enigmático de galhofa e safadeza, de amor lendário e de cavalaria épico-sertaneja produzido no estilo genial raposo-esmeráldico e real-hermético dos Monarquistas de Esquerda.
Darico Nobar: Nossa! Complexa essa definição, não é? [O apresentador não se aguenta e dá uma risada]. E você foi influenciado por alguém para escrever essa obra?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Sim. Todos os gênios são influenciados por alguém. No meu caso, não seria diferente. O tapirismo do Barão-doutor Samuel Wan d'E Eners e o oncismo do Professor-filósofo Clemente Hará de Ravasco Anvérsio foram decisivos para a constituição do meu estilo régio. Meus padrinhos João Melchíades Ferreira e Lino Pedra-Verde também foram muito importantes. Minha literatura, de forma geral, é influenciada pelos romances de José de Alencar, pelos folhetos de safadeza do Visconde de Montalvão, pelas aventuras de Jesuíno Brilhante e pelo humor escrachado de Miguel de Cervantes.
Darico Nobar: O seu livro, por um acaso, já foi eleito a Obra Nacional da Raça Brasileira?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Ainda não, Dom Darico. Também não fui condecorado com o título de Gênio Máximo da Humanidade. Você acredita?!
Darico Nobar: Ainda não, Dom Pedro Dinis?! Como isso é possível?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: É perseguição dos meus opositores. Há muita gente por aí com inveja das minhas credenciais. Apesar da minha reconhecida humildade, sou e sempre serei um cronista-fidalgo, um poeta-escrivão, o Rei d'As Armas da Casa Real do Sertão do Cariri, o prinspe-bibliotecário, um cavaleiro-cangaceiro destemido organizador de memoráveis Cavalhadas, o profeta-mor da Igreja Católico-sertaneja, o presidente-fundador da Academia de Letras dos Emparedados do Sertão da Paraíba e o autor do maior romance medieval-cangaceiro de cavalaria épico de cordel do mundo.
Darico Nobar: Os atrasos nas entregas dos prêmios são suas maiores frustrações?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Não. Há outras coisas que me desagradam mais. Afinal, os títulos que mereço uma hora ou outra irão chegar. Esse atraso é culpa da morosidade da humanidade em reconhecer seus gênios e suas obras-primas. O que me deixa realmente chateado é quando mencionam nos livros de história os falsários da família Bragança como os verdadeiros reis do Brasil. Ou quando julgam o “Auto da Compadecida” como a principal obra literária de Ariano Suassuna.
Darico Nobar: Em relação à família real, concordo com Vossa Majestade. Eu aprendi na escola que os únicos imperadores do nosso país foram Dom Pedro I e Dom Pedro II, ambos membros da Casa dos Bragança. Sobre os Quaderna, não há qualquer menção nos livros.
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Isso é uma tentativa conjunta da Direita-integralista, da Esquerda-comunista e do Centro-centrista de deturpar a história da nossa nação. Por que só os reis de linhagem portuguesa podem ser coroados em nosso país?! Não é justo! Além do mais, alguns brasileiros foram alçados à condição de monarcas sem possuírem sangue nobre, o que é ainda mais revoltante.
Darico Nobar: Como assim? Não entendi...
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Explico a Vossas Excelências... O Pelé foi proclamado Rei do Futebol, o Roberto Carlos é o Rei do não sei o quê, o Orlando Silva foi o Rei das Multidões, o Robinho é o Rei das Pedaladas, o Alacyr de Moraes foi por muitos anos o Rei da Soja e o Luiz Gonzaga será eternamente o Rei do Baião. E eu, como fico nessa história? Mesmo sendo um legítimo Ferreira-Quaderma, ninguém me proclama Rei do Sertão!
Darico Nobar: E por que a rixa com o “Auto da Compadecida”? Não podemos negar que a história de Chicó e João Grilo seja uma das obras mais populares do Brasil.
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Nobres senhores e belas damas de peitos graciosos, eu informo que não tenho nada, a princípio, contra o “Auto da Compadecida”. Até considero sua trama engraçadinha. O problema surge quando dizem se tratar da principal obra literária do Ariano Suassuna. Não é! A principal razão para essa desqualificação é elementar: o “Auto da Compadecida” é uma peça teatral. Isso por si só não permite que ele seja incluído na categoria literatura. Uma coisa é obra teatral e outra é obra literária. O “Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, como deixei claro já no título, é um romance e é a maior obra literária da história do Brasil.
Darico Nobar: Pelo menos na extensão do nome é sim, sem dúvida nenhuma... [O apresentador volta a soltar uma gargalhada]. Dom Pedro Dinis, contaram para mim que o senhor mantém certa rivalidade literária com João Grilo e com Chicó. É verdade?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Não! Imagine só se eu iria me incomodar com a fama de dois "amarelinhos"... Gosto tanto deles que os citei rapidamente em minha obra. Eles aparecem no comecinho e no final de “A Pedra do Reino”. Se eu não gostasse deles, não teria permitido que eles contracenassem comigo no grande clássico da nossa literatura.
Darico Nobar: Soube que em um congresso literário sobre ficção nordestina você se recusou a sentar ao lado deles quando eles foram anunciados como as principais criações de Suassuna. Isso aconteceu mesmo?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Um nobre como eu, com títulos nos campos da literatura, da astrologia, da religião e da cavalaria medieval-cangaceira, não pode nunca ser comparado a dois pés-rapados como o João Grilo e o Chicó, né? Esse equívoco do cerimonial do evento impossibilitou a minha presença por lá. O problema foi esse. Novamente, repito: não tenho nada contra esses dois personagens secundários do meu romance. Até sinto o mínimo de afeição por suas figuras. São dois sujeitos simpáticos, apesar de muito mentirosos e extremamente exagerados.
Darico Nobar: Você não gosta de pessoas mentirosas nem de mentiras, não é?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Dom Darico, o mundo seria um lugar bem melhor para vivermos se o ser humano não fosse um bicho tão fantasioso. Por isso, não suporto sujeito que tropece nas verdades. Em meu reino e em minha religião, a mentira e o exagero são os piores pecados que alguém pode cometer.
Darico Nobar: Entre presidencialismo, parlamentarismo e monarquismo, qual é o melhor regime de governo para o Brasil?
Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna: Sem dúvida nenhuma é a monarquia. Repare que os países com maior índice de desenvolvimento humano são aqueles regidos por reis, rainhas e famílias imperiais: Canadá, Suécia, Dinamarca, Nova Zelândia, Japão, Inglaterra, Noruega, Bélgica, Austrália e Mônaco. Monarquia é sinônimo de nação de primeiro mundo e de sociedade avançada. Para o Brasil do século XXI crescer e prosperar, é necessário alguém com sangue nobre para capitanear esse processo. E ninguém é mais indicado para tal proeza do que um descendente quadernesco.
Darico Nobar: Pessoal, este foi o Talk Show Literário desta noite. Dom Pedro IV, muito obrigado pela sua presença em nosso programa. [O rei faz um leve aceno de cabeça como retribuição ao agradecimento]. Até semana que vem, galera!
[O entrevistado sai do auditório ao som das cornetas. Os músicos seguem o rei em um ritual aparentemente tradicional. Enquanto isso, o apresentador e a plateia no auditório continuam reverenciando de longe o nobre convidado].
Darico Nobar: Sim, diretor. Já posso falar. [Com a mão no ponto eletrônico e falando baixinho, o âncora do programa volta a inclinar seu corpo para cima, em uma posição normal]. Acharam a Monique e a Emiliana? Que bom. O quê? Mortas? Como assim? [Um minuto de silêncio]. Quem iria decapitá-las e violentar seus corpos dentro dos nossos estúdios? Estou indo até aí para ver.
[As últimas imagens que as câmeras mostram antes do Talk Show Literário ser encerrado nesta noite é uma movimentação estranha de pessoas no palco. Um corre-corre se fez presente, com seguranças e profissionais indo apressadamente para o interior do estúdio].
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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas duas primeiras temporadas, neste terceiro ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.
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