Desde o começo do ano, estamos tratando aqui na coluna Teoria Literária sobre os mais diferentes aspectos da Análise Literária. Hoje, gostaria de entrar em outro tema que, de certa forma, está relacionado ao nosso assunto principal. Refiro-me ao Estilo Literário. O que é estilo para a literatura? Faço tal questionamento porque um dos usos possíveis da análise literária é para a identificação das particularidades presentes em um texto ou em um grupo de textos. Para quem acompanha o Bonas Histórias, essa é, curiosamente, a matéria-prima do Desafio Literário, seção do blog especializada em identificar as particularidades dos principais escritores de ontem e de hoje.
O estilo literário está relacionado à forma como um autor ou o conjunto de escritores de determinada região, período ou escola literária produzem suas criações artísticas. Em outras palavras, estilo, segundo a concepção da literatura, é a reunião de particularidades, seja da língua ou de elementos da narrativa, empregada por determinado indivíduo ou por um grupo específico e homogêneo de indivíduos e que seja marcante e identificável quando estudada pela perspectiva da teoria literária.
Portanto, esse termo adquire duas conotações distintas logo de início. Ele representa, em um primeiro momento, a individualidade artística de um escritor ou a singularidade literária de uma obra. Ao mesmo tempo, o estilo também pode significar uma classe com certa unidade. Neste segundo caso, ele representa as características diferenciadas de uma escola, de um gênero, de um período ou de um arsenal de procedimentos expressivos (COMPAGNON, 2014: p, 164).
O estilo é um termo, vale o esclarecimento, que não é original da literatura. Ele foi emprestado de outras atividades humanas, como a história da arte, a sociologia, o esporte, a moda e a antropologia. Nas artes plásticas, é comum a designação: "Tal pintor tinha um estilo próprio. Ele utilizava as seguintes técnicas e determinados temas na hora de produzir suas telas...". No futebol, o estilo de um jogador em campo ou de uma equipe em um campeonato é descrito pelas suas características peculiares. Não é coincidência que a literatura tenha se apropriado dessa ideia. Os aspectos culturais do estilo, tanto os verbais quanto os não verbais, são hoje muito numerosos e estão disseminados em nossa sociedade (MOLINO apud MOLINIÉ & CAHNÉ, 1994).
Durante boa parte do século XIX, os estudos da teoria literária não apenas ignoraram a influência do estilo como também se voltaram contra a investigação estilística. O estilo, na visão dos teóricos da literatura, era persona non grata entre os elementos literários (COMPAGNON, 2014, p.163). Enquanto isso, esse termo já estava disseminado nas artes plásticas desde o final do século XVIII. Para a história da arte, os estudos estilísticos eram realizados com o intuito de se verificar a autenticidade das obras, conferindo valores distintos aos vários itens da produção artística. Um quadro de Pablo Picasso, neste sentido, era mais valioso para o mercado artístico do que o produzido por qualquer outro pintor da Andaluzia.
Na literatura moderna e ocidental, o estilo só começou a ser estudado e, principalmente, a ser considerado como campo teórico de investigação formal no início do século XX. O precursor deste tipo de estudo foi Leo Spitzer, crítico literário de origem austríaca. Ele se dedicou intensamente à investigação das características particulares de alguns autores. Inicialmente, Spitzer estabeleceu o paralelo entre os traços linguísticos e os elementos temáticos (como o sangue e as feridas) presentes no trabalho de Henri Barbusse, escritor francês da primeira metade do século XX. Em seguida, avançou na pesquisa das conexões entre os traços estilísticos recorrentes deste autor e a psicologia por trás de suas obras. Mais tarde, procurou identificar os estilos típicos de Charles Péguy e de Jules Romains, outros importantes escritores franceses do século XX (WELLEK & WARREN, 1963, p. 182-183).
Segundo Antonie Compagnon, o trabalho de Spitzer procurou "descrever a rede de desvios íntimos que permitem caracterizar a visão de mundo de um indivíduo, assim como a marca que ele deixou no espírito coletivo" (2014, p. 169). Mais tarde, com Proust, o estudo do estilo seria o ponto de partida da crítica de consciência e da crítica temática, resumindo uma visão coletiva do mundo a partir das características literárias. A cultura, uma constituição coletiva e não individual, corresponde ao que se considera a alma de uma nação e é estabelecida também a partir da unidade da língua e das manifestações simbólicas da arte textual.
Assim, para Compagnon:
"[...] tomada de empréstimo à teoria da arte e aplicada ao conjunto de uma cultura, a noção de estilo designa, então, o valor dominante e um princípio de unidade, um traço familiar, característico de uma comunidade no conjunto de suas manifestações simbólicas" (2014, p. 170).
Nasciam, desta maneira, os conceitos de literatura francesa, inglesa, italiana e portuguesa, por exemplo. Cada uma delas tinha suas particularidades.
Contudo, na metade do século XX, principalmente durante as décadas de 1960 e 1970, os estudos estilísticos sofreram uma nova onda de ataques e questionamentos. O principal motivo foi a ascensão da linguística. O trabalho voltado para o estilo literário era visto pelos linguistas como uma disciplina transitória e fadada a extinção, que seria superada pela ciência da língua. Um dos mais ferrenhos opositores à estilística era Stanley Fish, teórico literário norte-americano, que também combatia os preceitos da estética da recepção (COMPAGNON, 2014, p. 175).
Mais recentemente, a partir da década de 1980, o estilo literário voltou a ficar em evidência, retomando o sentido original que a história da arte e a antropologia tinham lhe dado. Outra vez, os conceitos estabelecidos por Spitzer voltaram a ser valorizados.
A principal questão que rege o estudo estilístico nos dias de hoje é a compreensão de que ao investigar ou procurar os elementos particulares e originais de um autor clássico, se está estudando, por consequência, os elementos que fazem sua literatura tão valiosa (SPITZER, 1961 p. 50-60). Além disso, o estilo "diz respeito à substância do conteúdo (a ideologia do escritor), mas se relaciona às vezes com a substância da expressão (material sonoro), e sempre com a forma do conteúdo (as figuras, a distribuição do texto)" (MOLINIÉ, 1989, p. 4).
Portanto, o estilo está no sujeito e em sua obra artística, assim como o sujeito e a obra também estão no estilo. Um é indissociável ao outro. Estudar o estilo de um grande escritor é conhecer os motivos e a forma que o fizeram ser originais e únicos dentro da literatura nacional ou universal (COMPAGNON, 2014, p. 186). Nunca a definição tradicional de estilo, aquela que remetia ao sentido de assinatura para a história das artes, foi tão contemporâneo. O estilo como assinatura artística aplica-se tanto ao indivíduo quanto às escolas e movimentos literários. Nelson Goodman, norte-americano que atuou como filósofo e teórico da literatura, escreveu:
"Um traço de estilo, a meu ver, é um traço exemplificado pela obra e pelo que contribui para situá-la num conjunto dentro de certos conjuntos significativos de obras. Os traços característicos de tais conjuntos de obras - não os traços de um artista ou de sua personalidade ou de um lugar, ou de um período ou de seu caráter – consistem o estilo" (1984, 131).
Compreendida a importância do estilo para a literatura, a pergunta que naturalmente os analistas literários se fazem é: como se define um estilo literário? Essa é a pergunta de um milhão de dólares! Como esse assunto é denso e longo, vou deixá-lo para o próximo post da coluna Teoria Literária. Vou publicá-lo em novembro no Bonas Histórias. Não perca a continuação deste debate sobre Análise Literária e estilo literário. Até mais!
Bibliografia:
COMPAGNON, Antoine. O Demônio da Teoria - Literatura e Senso Comum. 2a ed. Belo Horizonte: UFMF, 2014.
GOODMAN, Nelson. Of Mind and Other Matters. Cambridge/Mass.: Harvard University Press, 1984.
MOLIÉ, Georges. La Stlyistique. Paris: PUF, 1989.
MOLIÉ, Georges & CAHNÉ, Pierre. Qu'est-ce que le Style? Paris: PUF, 1994.
SPITZER, Leo. Les Étude de Style et les Différents Pays. Langue et Littérature. Paris: Les Belles Lettres, 1961.
WELLEK, René & WARREN, Austin. Theory of Literature. 3a ed. Nova York: Penguin, 1963.
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