O livro mais famoso de Herman Melville é "Moby Dick" (Landmark). Publicado em 1851, o romance sobre a batalha pessoal do capitão Acab contra a grande baleia branca é um clássico da literatura norte-americana. Contudo, a obra que muitos críticos consideram como a que melhor sintetiza o trabalho ficcional de Melville é "Bartleby, O Escriturário - Uma História de Wall Street" (Rocco). Nesta novela instigante, o leitor se pergunta quais as razões da imobilidade do protagonista, que se recusa a fazer quaisquer tarefas que lhe são designadas com a lendária frase: "Prefiro não fazer...".
Jorge Luis Borges, fã confesso de "Bartleby, O Escriturário" e dos textos de Herman Melville, disse certa vez que este livro era um dos mais importantes da literatura universal. Muitos acadêmicos apontam a novela do escritor norte-americano como a precursora do existencialismo, que surgiria na cena literária apenas no século XX. Para outros, esta é a obra que antecipa muitas das características kafkanianas. Isto é, antes mesmos de Franz Kafka ter nascido, Melville já escrevia como o tcheco. Incrível!
Apesar da fama e do prestígio internacional de "Bartleby, O Escriturário", infelizmente essa novela é ainda uma das narrativas de Herman Melville mais desconhecidas do público brasileiro. Conhecê-la é desvendar o que há de melhor no romantismo norte-americano e se aventurar pelas nuances de uma das criações mais emblemáticas da literatura na metade do século XIX.
"Bartleby, O Escriturário - Uma História de Wall Street" tem pouco menos de 100 páginas. É um livro que pode ser lido de uma vez só. Foi o que fiz na quinta-feira passada. Em apenas uma hora e meia concluí sua leitura. E vale a pena dizer que a edição da editora Rocco está maravilhosa. Além de esteticamente impecável (projeto gráfico lindíssimo), a obra conta ainda com comentários de Fernando Sabino, que enriquecem consideravelmente a análise do leitor.
Originalmente publicado em 1853, dois anos após "Moby Dick", "Bartleby, O Escriturário" foi lançado, nos Estados Unidos, de maneira anônima em duas partes na revista Putnam's Magazine. Somente em 1856, sua história foi publicada em livro e teve o nome do seu autor estampado na capa. Essa primeira edição em brochura foi chamada de "The Piazza Tales". Nela, a novela agora famosa foi editada juntamente com outros cinco contos do autor norte-americano. Como todas as criações de Herman Melville, esta não teve qualquer sucesso em sua época, permanecendo esquecida até a morte do escritor. Somente com a valorização póstuma da literatura de Melville no século XX, os leitores puderam conhecer esta obra-prima.
O enredo de "Bartleby, O Escriturário" se passa na Wall Street da metade do século XIX. Naquele momento histórico, a rua de Manhattan iniciava sua vocação de centro comercial de Nova York. Portanto, estava longe de ser um centro financeiro como é hoje em dia. Em um dos prédios da Wall Street de Herman Melville havia um pequeno escritório de advocacia. Além de seu proprietário, um senhor sério de aproximadamente sessenta anos, mais três funcionários trabalhavam ali: Turkey, um senhor já idoso e muito temperamental, Nippers, um jovem que sofria de crises digestivas, e Ginger Nut, um adolescente que era aprendiz e fazia normalmente o serviço de office-boy.
A trama é narrada em primeira pessoa pelo dono do escritório de advocacia. Ele diz que não consegue "até hoje" decifrar a figura enigmática de Bartleby, o rapaz que ele contratou como escriturário (um tipo de escrivão) quando os serviços da empresa se avolumaram. Em suas palavras, aquele funcionário é a figura mais estranha que ele conheceu em toda a vida. Para mostrar ao leitor o quão esquisito era o rapaz, o advogado inicia seu relato no instante em que Bartleby começou a trabalhar no escritório.
À princípio, o escriturário era o funcionário que todo patrão sonhava em ter. Ele fazia as cópias dos documentos do advogado com rapidez e precisão. O novato era sempre o primeiro a chegar ao escritório e o último a sair. Nunca almoçava e jamais parava para descansar. Era quase uma máquina. Essa postura do incansável empregado fez com que o proprietário adquirisse uma grande empatia pelo subordinado.
Contudo, em um dia qualquer, ao solicitar o trabalho de revisão de um documento a Bartleby, o advogado ouve incrédulo a resposta do rapaz: "Prefiro não fazer". Aquela reação do jovem foi tão inesperada que o narrador não soube o que fazer no momento, além de transferir o trabalho para os outros funcionários do escritório.
Com o passar do tempo, Bartleby começou a proferir sua enigmática frase com cada vez mais frequência. "Prefiro não fazer" passou a ser ouvida quase que diariamente. O patrão, assim, passou a cogitar a hipótese de demitir Bartleby. Porém, as lembranças dos ótimos serviços anteriores prestados pelo rapaz e o coração mole do advogado, que gostava realmente daquele jovem tímido e solitário, evitavam a medida drástica. Assim, cada vez mais Bartleby ficava estático (e, portanto, improdutivo) em um canto do escritório, para desespero do patrão e dos demais funcionários.
É inegável que se trate de uma trama muito criativa e engraçada. Não é à toa a lembrança automática dos enredos fantasiosos do genial Franz Kafka. O que deixa o leitor incrédulo é a falta de uma explicação objetiva para o que está acontecendo na trama. Por que Bartleby se comporta de maneira tão esquisita?! Nem o autor, muito menos o narrador, tem a preocupação de justificar o comportamento estranho do protagonista da novela. Dessa forma, a questão que fica é: Bartleby seria um louco ou é alguém com intenções escusas?
O mais interessante de "Bartleby, O Escriturário - Uma História de Wall Street" é que seu conflito vai aumentando em tensão à medida que o protagonista vai se tornando cada vez mais apático. O desfecho foi muito bem escrito por Melville, deixando o leitor curioso até o último parágrafo.
No prólogo de uma das edições do livro, Jorge Luis Borges diz: “O niilismo cândido de Bartleby contagia seus companheiros (os colegas escreventes) e também o homem estólido que relata sua história e que abona suas tarefas imaginárias. É como se Melville houvesse escrito: ‘Basta que um único homem seja irracional para que os outros também o sejam e o mesmo aconteça com o universo’.”
Para quem sofreu com a leitura interminável e chatíssima de "Moby Dick" (com suas descrições detalhadas dos vários tipos de baleia e dos hábitos marinhos desse mamífero), ler "Bartleby, O Escriturário" é muito prazeroso. Sem dúvida, esta é uma das melhores obras de Herman Melville. Ao fechar o livro me tornei fã incondicional do escritor norte-americano (algo que não tinha ocorrido com o término da leitura de "Moby Dick").
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