A Bélgica é um pequeno país europeu espremido entre a França, a Alemanha e a Holanda. De lá, surgem filmes bem interessantes. O cineasta belga Jaco van Dormael de 58 anos é responsável pelas principais produções do seu país. É dele “Um Homem com Duas Vidas” (Toto le Héros: 1990), “O Oitavo Dia” (Le Huitième Jour: 1996) e o ótimo “Sr. Ninguém” (Mr. Nobody:2009). Esses longas-metragens misturam drama, humor e uma boa dose de fantasia. E é essa a receita do novo filme de Van Dormael em cartaz nos cinemas brasileiros há uma semana. “O Novíssimo Testamento” (Le Tout Nouveau Testament: 2014) é talvez a melhor produção do belga e com certeza a mais engraçada e polêmica.
Nessa história, descobrimos a verdadeira face de Deus. Ele é rabugento, alcóolatra, machista e sádico. Morando em Bruxelas com a esposa e a filha de 10 anos (o outro filho, JC, fugiu de casa há muito tempo), Deus é mal-humorado e controlador. Além de oprimir a esposa, que se limita a cozinhar e a limpar a casa, ele também mantém a filha, Ea, sob rédeas curtas. A menina não pode fazer nada, se sentindo muito entediada. Naquela casa, a televisão só pode sintonizar canais de esportes e ninguém, além do patriarca, pode ter opiniões próprias.
Indignada com aquela condição e sofrendo com os questionamentos típicos de uma adolescente, Ea resolve acabar com as maldades do pai. A principal diversão de Deus é provocar tragédias na Terra e prejudicar a vida dos seres humanos. Para dar um basta naquilo, Ea invade o computador do pai e envia uma mensagem para cada homem e mulher da Terra informando a data de morte de cada um (o que provocará o questionamento dos humanos e a mudança em seu estilo de vida). Além disso, a menina bloqueia o computador do pai, impossibilitando-o de continuar interferindo nos acontecimentos terrenos. E para completar, a menina foge de casa, vindo viver entre os homens (como seu irmão fizera há tempos). Na Terra, Ea resolve recrutar seis apóstolos para compartilhar seus ensinamentos. É iniciada, então, a jornada da filha de Deus para resolver os problemas do mundo e para revelar a verdadeira faceta de Deus.
“O Novíssimo Testamento” é um filme divertidíssimo. O humor é sagaz e inteligente, brincando ora com os acontecimentos do cotidiano dos homens e ora com a história do cristianismo. Ninguém escapa do humor negro dos roteiristas. O retrato sádico de Deus e de sua família é sensacional. Nem nos piores pesadelos, poderíamos imaginar uma família celestial como esta. O curioso é que esse retrato divino é mais lógico e explica muito mais coisas do que acontece em nossas vidas do que o narrado tradicionalmente pelas religiões.
A atuação dos atores também é algo a ser elogiada. Benoît Poelvoorde (como Deus), Yolande Moreau (interpretando a esposa do Divino), a jovem Pili Groyne (como Ea) estão ótimos. Para completar, ainda temos uma participação especial de Catherine Deneuve, como uma das novas apóstolas da filha de Deus.
Os mais religiosos podem se incomodar um pouco com a descrição sem pudores de Deus e de sua família. Se lembrarmos que se trata de uma ficção, é possível se divertir com os absurdos dessa criação cinematográfica. A narrativa é ancorada na fantasia e na sátira. A história possui um enredo completamente desvinculado da realidade e, com isso, permite o tempo inteiro o diálogo com o contrassenso e o besteirol. Essa é uma comédia recheada de nonsense, mas que mantem o tempo inteiro um verniz inteligente, raramente recaindo para o deboche total. Tudo parece ter sido pensado de forma lógica.
Gostei muito desse filme. Se no ano passado, nesta mesma época do ano, me diverti com “As Férias do Pequeno Nicolau” (Les Vacances du Petit Nicolas: 2014), que contou com a colaboração de Jaco van Dormael no roteiro, dessa vez me diverti com outro filme com o roteiro do cineasta belga.
Veja o trailer de "O Novíssimo Testamento":
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