Entre 1965 e 1967, Paulo Coelho foi internado três vezes na Casa de Saúde Dr. Eiras, hospício do Rio de Janeiro. A família acreditava que o menino tímido e introspectivo que passa a maior parte do tempo lendo tivesse algum problema psíquico. A tentativa de suicídio de Paulo na adolescência só agravou o drama. Por isso, o livro "Veronika Decide Morrer" (Objetiva), lançado em 1998, tem muitos elementos autobiográficos. A história foi adaptada para o cinema duas vezes, sendo a versão mais conhecida a da diretora Emily Young de 2009.
Neste livro, conhecemos Veronika, uma bela jovem eslovena que trabalha como bibliotecária e mora em Ljubljana, a capital de seu país. A moça não encontra mais sentido para viver, achando sua rotina vazia e entediante. Por isso, resolve se suicidar com uma overdose de calmantes. Contudo, o suicídio fracassa e ela é enviada para um hospício particular de Ljubljana.
Lá ela passa a viver entre os loucos. O Dr. Igor é o médico responsável pela clínica e resolve fazer uma experiência com a nova paciente. Ele informa que Veronika só tem uma semana de vida, pois seu coração está muito fragilizado. O doutor também faz com que a notícia vaze pelos quatro cantos do hospício. Rapidamente, não apenas Veronika sabe que seus dias estão contados como os demais pacientes e funcionários ficam sabendo do triste destino naquela mulher jovem e bonita. Entretanto, esta informação é falsa. Dr. Igor sabe que sua paciente está cheia de vida e não deverá morrer tão cedo.
A perspectiva da iminente morte de Veronika provoca transformações no hospício. Não apenas a moça começa a encarar a vida de outra maneira como isso é compartilhado com os demais pacientes. Eduard, um jovem esquizofrênico que não conversa com ninguém, e Mari, uma advogada internada com Síndrome do Pânico, tornam-se amigos de Veronika e começam a refletir sobre o valor da vida. A probabilidade da morte da amiga mexe muito com eles.
"Veronika Decide Morrer" tem 220 páginas e segue o padrão dos romances de Paulo Coelho - rápido e fácil de ser lido. Li esta obra em duas noites. O ponto positivo deste livro está em sua história. Aproveitando-se de uma experiência real tida na adolescência, o autor consegue construir um enredo interessante sobre a loucura e a vida em um hospício. A forma como ele retrata a clínica e seus pacientes é incrível. A discussão de quem é ou não louco em nossa sociedade, apesar de não ser original, é ótima. O fato de muitos pacientes do hospício de Ljubljana não terem qualquer doença psíquica e mesmo assim desejarem permanecer ali é revelador. Lembrei muito do filme "Um Estranho no Ninho" (One Flew Over the Cuckoo's Nest :1975), longa-metragem do diretor Milos Forman com uma excelente atuação de Jack Nicholson fazendo Randle Patrick McMurphy (um dos seus papéis mais marcantes no cinema).
O problema deste livro de Paulo Coelho não está em seu conteúdo (não é à toa que a história foi adaptada duas vezes para o cinema) e sim em sua forma. Infelizmente, o escritor transforma uma ótima ideia e um romance mediado. O excesso de religiosidade (às vezes, me sinto lendo uma obra de alguém que quer me evangelizar), o romantismo barato e platônico (as personagens se apaixonam instantaneamente) e algumas cenas paranormais (almas que deixam momentaneamente os corpos e ficam flutuando pelo ambiente, por exemplo) tomam espaço da narrativa, empobrecendo a história. O capítulo, no meio do livro, em que o autor entra na história e explica um pouco sobre a sua vida é desnecessário e um tanto piegas.
Quem já tiver lido Paulo Coelho antes, perceberá que ele não "muda o disco". Suas obras sempre acabam girando em torno do tema "a pessoa precisa seguir seus sonhos" e "a religião conforta as almas humanas". Elas nunca saem disso. Acreditei que o bom enredo de uma jovem que tenta o suicídio e é enviada para um tratamento em um hospício fosse alterar este padrão, mas me enganei. Na metade do livro já é possível prever tudo o que vai acontecer. Não há nenhuma surpresa até o desfecho. Talvez quem leia Paulo Coelho pela primeira vez não sinta isso tão nitidamente, mas que já leu pelo menos um livro dele vai se incomodar.
Ou seja, "Veronika Decide Morrer" é uma ótima história transformada em um romance medíocre. Quem sabe eu não assista ao filme da diretora Emily Young para ver se ela soube trabalhar melhor a trama quando adaptou esta história para o cinema.
Somente agora, após a leitura dos cinco livros de Paulo Coelho, me sinto pronto para produzir uma análise completa e abrangente da literatura do escritor brasileiro de maior sucesso internacional. Na próxima quarta-feira, dia 28, vou postar aqui no Bonas Histórias a conclusão do Desafio Literário de Paulo Coelho. Não perca!
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