Comecei a leitura das obras de Paulo Coelho do Desafio Literário de setembro pelo seu primeiro grande sucesso editorial: "O Diário de Um Mago" (Rocco). Publicado pela primeira vez em 1987, este livro narra, de forma autobiográfica, a viagem de três meses que o autor fez a pé, um ano antes, pelo Caminho de Santiago, trajeto lendário de mais de 700 quilômetros entre o sul da França e a cidade espanhola de Compostela. Esta história foi traduzida para mais de 21 idiomas e colocou o nome do jornalista e compositor Paulo Coelho na seção dos autores best-seller.
"O Diário de Um Mago" inicia-se com um ritual místico da Tradição, ordem religiosa oculta que mistura práticas mágicas e esotéricas com rituais cristãos. Durante a cerimônia de consagração de Paulo Coelho, adepto desta crença, em Mago, o Mestre deste identifica um erro no comportamento de seu discípulo e o pune com a perda de sua espada mágica. Para ter seu instrumento de volta, Paulo precisará percorrer a pé o Caminho de Santiago. Nesta viagem, ele precisará, ao mesmo tempo, evoluir espiritualmente e encontrar sua querida espada.
Logo no início do trajeto, Paulo é apresentado a Petrus, um italiano de aproximadamente cinquenta anos. Também integrante de uma ordem religiosa secreta cristã, Petrus é incumbido de orientar o brasileiro ao longo do percurso. O guia tem um papel muito mais espiritual do que turístico. O italiano ensina Paulo as práticas do RAM, exercícios variados que aumentam a habilidade de ver, ouvir e sentir os diferentes planos espirituais.
Enquanto caminham, Petrus e Paulo vão conversando. O guia explica para seu pupilo as histórias dos lugares percorridos, transmite os ensinamentos religiosos de suas crenças e orienta sobre as técnicas para alcançar um nível espiritual mais elevado.
"O Diário de Um Mago" é um bom livro. Ele possui, obviamente, muitos elementos religiosos, rituais secretos e componentes mágicos. É difícil para quem não é crente acreditar em tudo o que é relatado. Os personagens principais conversam com espíritos, movimentam objetos pelo pensamento, enfrentam demônios, entre outras práticas mágicas. Depois de realizar exercícios banais, eles passam a ver e ouvir como se possuíssem poderes sobrenaturais.
Admito que fiquei um pouco reticente com tudo o que foi relatado. Não vejo o livro como uma narrativa baseada fielmente em acontecimentos 100% reais. Enxergo a trama mais como uma boa parábola sobre a busca do autoconhecimento através da religião. O que favorece a credibilidade de Paulo Coelho neste tema é que ele sempre foi muito atrelado às regiões alternativas e às seitas ocultas. Recordo que no filme "Raul - O Início, o Fim e o Meio" (2009), o parceiro de Raul Seixas era apresentado como alguém que gostava de mergulhar em várias práticas religiosas polêmicas. Ou seja, ele sabia muito bem sobre o que estava escrevendo. Agora acreditar em tudo o que aconteceu nesta mágica viagem, para mim é jogar contra a lógica e o bom-senso.
O ponto mais interessante desta obra está no debate filosófico e humanista dos personagens. Se a história tem pouca ação, ela é recheada de bons diálogos. Paulo e Petrus estão a todo momento discutindo sobre temas existenciais: importância da simplicidade, os méritos do homem (e da mulher) comum, os vários tipos de amor, as diferentes faces do demônio, os mecanismos para concretizar os sonhos, a relevância do pensamento positivo, entre outros. Os diálogos são de alto nível. Cada palavra e cada ideia exposta foram muito bem escolhidas. Esta reflexão existencial é que sustenta o enredo do início ao fim da narrativa.
Outro aspecto que chamou minha atenção foi a postura humilde do narrador/personagem. Paulo Coelho não é exatamente conhecido como uma pessoa humilde, mas nesta história ele conseguiu se colocar como um aprendiz e não como um mestre acima das pessoas comuns. O único momento em que ele se mostra presunçoso é na hora da perda da sua espada (punido pelo Mestre por se comportar assim).
A linguagem e o estilo narrativo do livro são simples e objetivos. Paulo Coelho escreve fácil e de maneira coloquial. Ele não perde tempo descrevendo cenários, caracterizando personagens ou apresentando perfis psicológicos. Ele vai direto ao ponto, em uma narrativa seca. Em sua história, só há espaço para o essencial. Se o texto fica curto e direto, ele também fica sem qualquer sofisticação literária.
Nesta primeira obra do Desafio Literário, não achei Paulo Coelho um autor raso e banal, como geralmente os críticos mais ácidos do escritor apontam. Diria até que ele possui alguma profundidade filosófica e religiosa. A linguagem simples e direta, alvo normalmente de muitos comentários pejorativos, não me desagradou. Sinceramente, gosto de quem escreve fácil e de forma corriqueira.
"O Diário de Um Mago" se encaixa na categoria de autoajuda, fornecendo elementos reflexivos para as pessoas melhorarem suas vidas. Este livro está no patamar de "A Cabana", de William P. Young. Se muita gente gosta das obras de Young, por que desvalorizar ou ridicularizar as histórias de Paulo Coelho?! Acho isso preconceito bobo.
O segundo livro do Desafio Literário de setembro é “O Alquimista” (Planeta), o maior sucesso da carreira de Paulo Coelho. Continue acompanhando o estudo da literatura do escritor brasileiro de maior sucesso internacional no Blog Bonas Histórias. O post com a análise de “O Alquimista” será publicado no dia 12.
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