Li, nessa sábado, “Caiu o Pano” (Nova Fronteira). Nesse livro, Agatha Christie coloca ponto final nas aventuras do detetive Hercule Poirot. Um dos mais celebrados personagens dos romances policiais tem sua última história narrada nessa obra que ficou marcada pela ousadia de sua autora. Se eu acreditava que já tinha visto de tudo com o final de “O Assassinato de Roger Ackroyd” (Globo), agora sei que estava redondamente enganado. Agatha Christie consegue novamente surpreender com um final incrivelmente original. E o grande lance do desfecho da obra não está na morte de Poirot (algo que os fãs já previam que iria acontecer). A surpresa está na solução do último enigma do detetive belga e em como o assassino é, enfim, contido.
Agatha Christie escreveu “Caiu o Pano” na metade da década de 1940. Já prevendo que um dia precisaria contar os últimos dias e o último caso do detetive Poirot, ela o fez antecipadamente. Assim, terminou essa história e a guardou no banco. A ordem era clara: esse livro só poderia ser publicado quando sua autora não tivesse mais condições de escrever. A assim aconteceu.
Ela publicou mais algumas dezenas de livros em que o investigador belga é o protagonista até o ano de 1975. Percebendo que não conseguiria mais escrever, Agatha autorizou a publicação da última história de Poirot. “Caiu o Pano” chegou às livrarias do mundo todo no segundo semestre daquele ano. Em janeiro de 2016, Agatha Christie faleceu. Ou seja, essa foi a última obra da escritora inglesa lançada em vida. Não é errado afirmar que a autora e sua principal criatura/personagem morreram quase que ao mesmo tempo.
Em “Caiu o Pano”, temos um Hercule Poirot já bem idoso, sofrendo de vários problemas de saúde. Sem conseguir se locomover (suas pernas já não lhe obedeciam), o detetive resolve se hospedar no hotel Styles, mansão que fora palco de sua primeira história, “O Misterioso Caso de Styles” (Nova Fronteira), publicado em 1920. Assim como no primeiro livro, o narrador é Arthur Hastings, amigo de Poirot. Agora viúvo e com filhos já crescidos (na obra de estreia, ele era um jovem solteiro), Hastings aceita o convite de Poirot e também se hospeda alguns dias na velha mansão Styles.
Para surpresa de Hastings, a proposta de Poirot não é para ambos reviverem os “bons tempos” nem para tirarem um período de férias juntos. Logo de cara, o belga informa seu amigo que eles estão lá para solucionar um crime. O último da carreira do famoso detetive e, possivelmente, o mais complicado de todos.
Poirot reuniu cinco crimes que aconteceram no passado e que, a princípio, não tinham nenhuma relação um com os outros. Contudo, ele afirma que há relação entre esses episódios e que o assassino não é quem a polícia e a Justiça apontaram. O verdadeiro criminoso sempre ficou oculto e agora está hospedado em Styles. Para piorar as coisas, o belga tem certeza que um novo crime será praticado ali. Com a mobilidade reduzidíssima de Poirot, Hastings fará o papel de olhos e ouvidos do amigo investigador preso na cadeira de rodas.
Esta obra foge um pouco do convencional de Agatha Christie e das histórias de Poirot. Ao invés de investigar um crime, trabalha-se para evitar um. Além disso, não estamos falando unicamente de um caso do presente e sim de vários episódios do passado distante entrelaçados em si. Ou seja, o quebra-cabeça é um pouco mais elaborado e complexo. E para dificultar ainda mais as coisas, Poirot apresenta sérias limitações físicas que comprometem seu trabalho, apesar de afirmar a todo instante que está bem e que está em condições de resolver qualquer caso.
Logo no início de “Caiu o Pano”, somos remetidos a algumas passagens de “O Misterioso Caso de Styles”. Quem leu esta publicação irá se lembrar de alguns personagens e citações. Contudo, quem não leu o antigo livro poderá acompanhar tranquilamente essa “nova” história. O interessante desse recurso literário utilizado por Agatha Christie é que ela amarra a primeira e a "última" narrativa de Poirot, conferindo um ar de continuidade à carreira do investigador belga.
Gostei muito desta trama. O ponto alto, como na maioria das histórias de Christie, está em seu desfecho. Novamente a escritora consegue surpreender o leitor de uma forma que ele suspira para si: “Nossa! Juro que não tinha imaginado isso!!!”. Diria que o encerramento dessa publicação é tão inovador quanto em “O Assassinato de Roger Ackroyd”. Pensei que era impossível Christie ser mais espetacular em um final do que ela tinha sido naquele livro. E ela conseguiu!!! Além de o assassino ser alguém inimaginável, alguns episódios são completamente extraordinários, jamais passando pela cabeça do leitor que fossem possíveis de acontecer.
Como última história de Poirot, achei o livro perfeito. Ele consegue retratar a astúcia do detetive ao mesmo tempo em que consegue mostrar a passagem do tempo e os efeitos da idade. Além disso, há a inserção de um elemento moral/ético novo (e maravilhoso) nas histórias de Poirot que nos faz refletir. Obviamente não citarei qual é para não estragar a leitura de quem não o fez.
Gostei muito desse livro. Depois de “O Assassinato de Roger Ackroyd”, essa é minha obra favorita de Agatha Christie. Agora entendi porque sua autora deixou os originais dessa publicação guardados por três décadas no cofre de um banco. Trata-se de uma joia dos romances policiais modernos.
O Desafio Literário de junho retorna no dia 23, quinta-feira, com o post sobre a obra mais famosa de Agatha Christie, o romance "E Não Sobrou Nenhum" (Globo). Não perca as novas análises do Blog Bonas Histórias.
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