Admito que comecei a ler “Caetés” (Record) de Graciliano Ramos com certa desconfiança. Afinal, este primeiro romance do escritor alagoano, publicado originalmente em 1933, não contava com a simpatia do próprio autor. Em “Memórias do Cárcere”, Graciliano cita seu livro de estreia com algum embaraço. Ele não o considerava suficiente bom. Além disso, a crítica da época não o avaliou digno de uma avaliação positiva. A receptividade do público leitor também ficou bem abaixo do que viria acontecer com “São Bernardo” e, principalmente, “Angústia”. Por tudo isso, iniciei a leitura meio reticente.
A história de “Caetés” é contada em primeira pessoa e se passa em Palmeira dos Índios, em Alagoas. O narrador é João Valério, um jovem escriturário de uma firma comercial da cidade. Nas horas vagas, o rapaz gosta de escrever e tenta dar continuidade a um romance histórico do tempo colonial. Nessa trama, índios (liderados pelo selvagem Caetés) e os portugueses vivem em constante confronto.
O patrão de Valério é Adrião, um senhor mal-humorado, hipocondríaco e um tanto severo. Apesar dessas características, Adrião gosta de João e abre as portas de sua casa para o culto funcionário. Depois de seis anos frequentado a casa do patrão, João Valério, em um momento de destempero, tenta beijar a jovem esposa de Adrião. Luiza, a bela e honrada moça, impede as investidas do atrevido rapaz. Na hora, João Valério se arrepende da iniciativa e imagina que irá ser despedido do emprego, quando Luíza contar à família o que aconteceu.
Porém, o tempo passa e Luiza não conta o episódio embaraçoso a ninguém. Além disso, a moça passa a se comportar de maneira dúbia, demonstrando sentir algo pelo jovem funcionário do marido. É dado o início do flerte entre os dois. Não demora para João Valério se transformar em amante de Luiza. A paixão fulminante dos jovens torna suas ações cada vez mais temerárias.
João Valério descobre pelo seu principal amigo que o romance clandestino já caiu na boca do povo. A honra de Luiza e de seu marido já foram manchadas. Mesmo assim, o rapaz não se importa e continua com o romance sem se preocupar com as consequências. Apenas quando Adrião descobre a traição, por meio de uma carta anônima endereçada a ele, é que as coisas mudam de figura.
Aí temos o desfecho da história. Admito que o final é surpreendente. A reação de Adrião é incomum, assim como o comportamento de Luíza e, por que não, de João Valério. A grande graça do livro está em seu encerramento. Se o início e o desenvolvimento da obra não trazem grandes novidades, o desfecho é espetacular. Somente nele podemos conhecer de fato o caráter das personagens principais: quem parece meigo e bondoso se torna interesseiro e avarento; o sonhador e romântico se transforma alguém prático e acumulativo de bens materiais; e o estúpido e insensível pode se tornar amoroso e humano.
Gostei muito de “Caetés”. Acho que Graciliano deveria se orgulhar dessa sua produção ao invés de se envergonhar dela. No início, a obra parece uma trama do período romântico. O mocinho quer namorar a mocinha e ambos são impedidos pelas circunstâncias. Estamos diante, portanto, de algo bem José de Alencar. Porém, quando a trama vai se desenrolando, percebemos a ausência do romantismo e somos jogados diante da realidade nua e crua da sociedade moderna. Ou seja, passamos a comparar a obra com as histórias de Machado de Assis. O componente modernista aparece no final, com o desfecho. Percebemos que as personagens são muito mais complexas do que pareciam à princípio. Além disso, a ambientação da cidade, com seus vários tipos e acontecimentos, se parece muito com as tramas de Jorge Amado. Ao redor da história principal (triângulo amoroso entre João Valério, Luiza e Adrião), conhecemos a vida de várias personagens periféricas.
O livro é muito bom. Obviamente, ele está em um patamar a baixo de “São Bernardo”, "Vidas Secas", “Angústia” e “Memórias do Cárcere”. Isso acontece não por demérito dele, mas pela excelência do foco de comparação. Contudo, considerei “Caetés”, por exemplo, bem mais interesse do que “Insônia”, livro de contos do escritor alagoano.
Ou seja, um romance de Graciliano Ramos de “segunda categoria” é ainda muito superior a grande maioria das obras escritas pela maioria dos autores.
No próximo dia 29, retorno ao Blog Bonas Histórias para apresentar a análise literária completa de Graciliano Ramos. Não perca a parte final do Desafio Literário deste mês.
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