"Carrie, a Estranha" (Suma de Letras) foi publicado originalmente em 1974. Trata-se do primeiro romance da carreira de Stepheh King. Até então, o escritor era especializado em criar contos de terror, vendidos normalmente para revistas masculinas. Isto mudou com a publicação de "Carrie". A partir daí, ele virou o principal autor norte-americano deste gênero. O apelido de "Mestre do Terror" grudou em seu nome e nunca mais ele conseguiu desassociá-lo.
Um pouco antes da publicação de "Carrie, a Estranha", o filho mais velho do casal King ficou doente e os pais não tinham dinheiro para comprar os remédios para a criança. A vida financeira da família era complicada. Stephen trabalhava como professor de inglês e trabalhava também em uma lavanderia. Nas horas que sobravam, ele ainda escrevia seus contos para vendê-los para as revistas. Mesmo se virando em três ocupações diferentes, ele não recebia uma boa remuneração. Tabitha, a esposa, não trabalhava neste período e ficava cuidando exclusivamente da casa e das crianças pequenas.
Pressionada pela necessidade de arranjar dinheiro para os remédios do filho, Tabitha começou a brincar com Stephen para ele inventar uma nova história que pudesse ser vendida para alguma editora. "Depressa, Steve, pense em um monstro", pedia a esposa. Percebendo que a venda de novos contos não traria tanto dinheiro, Stephen resolveu escrever um romance. A ideia era criar uma história sobre uma moça com poderes psíquicos. A inspiração veio da leitura de um artigo da revista Life sobre um caso de poltergeist (espíritos brincalhões). Para constituir a personagem principal da trama, Stephen King se lembrou de duas meninas da sua época de infância/adolescência.
Depois de uma tarde intensa de trabalho, as primeiras páginas da nova história não agradaram ao escritor, indo parar no lixo. Quem descobriu as folhas na lata de lixo da casa foi Tabitha. A esposa recolheu os papéis, leu e gostou da narrativa. Contudo, Stephen protestou, afirmando que não sabia nada do universo feminino (o enredo era sobre uma menina) e sobre adolescência (uma menina jovem). Escrever sobre isto seria muito difícil para ele. A esposa, então, se prontificou a ajudá-lo. Saiba decisão.
Carietta White, chamada pelo apelido de Carrie, é uma adolescente da cidade de Chamberlain, no Maine. Ela é um tanto estranha (daí o nome do livro). Ela não é de conversar e de interagir com as outras garotas da escola. Ela usa sempre roupas conservadoras e tem hábitos simples. Isto é influência da mãe, Margaret White, uma cristã fundamentalista. A mãe não permite que a filha faça nada típico de uma jovem da sua idade, forçando-a a ficar em casa rezando e seguindo os preceitos religiosos indicados na Bíblia.
A vida de Carrie muda quando ela tem sua primeira menstruação. Para azar da moça, este acontecimento ocorre logo depois de uma aula de educação física, quando ela está tomando banho no vestiário do colégio. Carrie se desespera ao ver o sangramento em seu corpo, não entendendo o que está acontecendo. A moça não sabia nada sobre menstruação e pensou que estivesse tendo uma hemorragia. A ignorância da menina é um prato cheio para algumas colegas mais maldosas. Um grupo se forma envolta de Carrie, no chuveiro, para praticar bullying. Quem lidera as agressões verbais é Chris Hargensen, uma aluna rica e mimada, que adora implicar com Carrie e com as colegas mais tímidas. Chris incentiva seu grupo de amigas a jogar absorventes íntimos em cima de Carrie, xingando-a sem parar. Quem "salva" Carrie dos insultos das colegas é a professora de educação física, a senhora Desjardin. Ela é quem expulsa todas as demais alunas do vestiário e quem explica para a moça o que aconteceu com seu corpo.
Carrie vai para sua casa e briga com a mãe que nuca explicou para ela sobre menstruação. Margaret White, em sua mentalidade religiosa, acusa a filha de ter pecado. Na visão materna, se a menstruação da garota chegou é porque ela está pecando. Este choque de opiniões entre filha e mãe começa a opor uma à outra, pela primeira vez. Carrie descobre, então, possuir poderes telecinéticos (movimenta objetivos com o pensamento). Para utilizar este dom, a menina começa a praticar esta habilidade em casa, de maneira secreta.
Na escola, a vida de Carrie se complica ainda mais. Chris Hargensen, sua rival, é proibida de participar do baile de formatura do final do ano, o grande evento da escola, por causa do seu comportamento no vestiário. Inconformada, a mimada aluna resolve se vingar de Carrie, considerando-a culpada pela sua punição. Mesmo contando com a ajuda de Sue Snell, uma popular garota da escola e ex-amiga de Chris que agora se solidarizou por Carrie, as coisas não ficam fáceis para a filha de Margaret. O plano de Chris é humilhar Carrie em pleno baile de formatura, diante de colegas, pais e professores.
E é exatamente isto o que acontece. Depois de ser eleita a rainha do baile, algo de surpreendente e que leva Carrie ao delírio, Chris Hargensen consegue despejar um balde de sangue de porco em cima da inimiga quando ela vai receber o prêmio em cima do palco. Carrie fica revoltada com a humilhação. Afinal, todos os presentes começam a rir dela. Com seus poderes telecinéticos, a moça começa a destruir tudo a sua volta. O salão onde o baile é realizado é trancado pela mente da garota paranormal e começa-se um incêndio no local. Carrie começa, então, a sua vingança contra todos. Não apenas o ginásio vira palco de uma grande destruição, provocada pela mente de Carrie, como toda a cidade de Chamberlain se transforma em um cenário de guerra.
Diferente do que a crítica literária aponta, não considero "Carrie, a Estranha" como sendo um livro de terror. Vejo-o mais como sendo uma obra de suspense. Como a personagem principal e heroína é quem possui dons excepcionais, não podemos considerar que ela vá fazer o mal (apesar de aprontar muita destruição e mortes). Por isto não há terror e sim suspense durante a narrativa. Se fossem as vilãs (neste caso, a mãe de Carrie e a colega da menina na escola, Chris Hargensen) que tivessem os poderes telecinéticos, aí sim seria um livro de terror.
A linguagem do livro é simples e direta. King escreve de maneira clara e objetiva. Às vezes, temos a sensação que o texto é meio cru, como se o autor não tivesse se preocupado em revisá-lo. Precisamos lembrar que ele tinha pressa em terminar a obra, ganhar o dinheiro e comprar o remédio do filho. E curiosamente, foi este o comportamento de Stephen em relação ao seu primeiro romance. Ele comenta que jamais voltou a ler esta obra e que não fez qualquer alteração no texto desde a publicação da versão original.
A obra também é considerada breve, perto dos intermináveis livros de Stephen King. "Carrie, a Estranha" não tem mais do que 200 página. É possível lê-la em duas tardes. Para se ter uma ideia, "O Iluminado" (Suma de Letras), a publicação seguinte do autor, tem quase 500 páginas.
Como a maioria dos livros de Stephen King, a força de "Carrie, a Estranha" está em sua história. Há ótimas e marcantes cenas. O início da menina tendo a primeira menstruação no chuveiro do vestiário da escola é um clássico da literatura moderna. A cena final da confusão no baile de formatura também. Depois de King, nenhuma festa deste tipo foi a mesma nos Estados Unidos. Eu, particularmente, tenho um medo danado de formaturas. A imagem de pedras caindo do céu, no quintal da casa de Carrie, também é marcante.
O que chama mais atenção nesta história é o seu final. Obviamente, eu não vou contar o desfecho (para não desagradar a quem ainda deseja lê-lo pela primeira vez). Apenas vou comentá-lo superficialmente. King não faz concessões. Seus finais não seguem, geralmente, o final feliz hollywoodiano. Por isto não se surpreenda com o que pode acontecer. Tudo pode acontecer! E normalmente, o final é trágico. O escritor é chegadinho em uma tragédia espetacular. Seus finais, e "Carrie, a Estranha" não foge desta linha, são cheios de explosões, mortes e destruição. Praticamente não vai sobrar (quase) nada e (quase) ninguém para contar a história. O encerramento, de certa forma, é catártico.
Outra coisa que gostei é a forma como a história é contada. Ao longo da trama há a inserção de documentos policiais, livros da época, notícias sobre os personagens envolvidos e transcrições com as opiniões de outras pessoas que interagiram com os personagens principais. Temos a sensação, com isto, que a história é verídica. Trata-se de um recurso simples, mas que confere uma graça a narrativa.
Se você ainda não leu Stephen King, eu sugiro começar por esta obra. E não me venha assistir aos filmes baseados nesta história porque eles são um tanto distintos do enredo literário, principalmente a primeira produção cinematográfica de 1976. O final, principalmente, é um tanto diferente da escrita por King. "Carrie, a Estranha" teve três versões para o cinema. A primeira, já citada, produzida por Brian De Palma. Outra, de 2002, foi uma produção televisiva. E, mais recentemente, em 2013, um novo filme chegou aos cinemas pela direção de Kimberly Peirce. Se fosse para escolher um, eu ficaria com o primeiro, de Brian De Palma (gosto tanto da história de Carrie, que assisti às suas três versões cinematográficas).
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