A comédia francesa "Que Mal Eu Fiz a Deus?" (Qu'est-ce qu'on a fait au Bon Dieu?: 2014) foi o grande sucesso cinematográfico em seu país natal no último verão. Os franceses invadiram as salas de cinema para ver este filme que aborda um tema atual e recorrente da sociedade europeia: o preconceito ético, religioso e racial contra os imigrantes. Ao invés de transformar este assunto, normalmente polêmico e pesado, em um drama, o cineasta Philippe de Chauveron, da comédia "O Aluno Ducobu" (L'Elève Ducobu: 2010), preferiu abordá-lo de forma leve e bem humorada. O resultado: recorde de bilheteria na França no ano passado, com 12 milhões de expectadores. Aqui no Brasil, aproximadamente cem mil expectadores já foram ao cinema para vê-lo.
"Que Mal Eu Fiz a Deus?" conta a história do casal Verneuil. Claude (interpretado por Christian Clavier), o marido, e Marie (Chantal Lauby), a esposa, são conservadores, católicos e muito preconceituosos. A vida da dupla se transforma quando chega a fase das quatro filhas deles se casarem. Para o desespero paterno, as três filhas mais velhas escolhem tipos "exóticos" (do ponto de vista tradicional de um conservador francês) como maridos: uma opta por um muçulmano de origem argelina, outra por um judeu e a terceira tem como esposo um chinês. Os conflitos culturais e religiosos são inevitáveis entre os membros da família, para desespero de Claude e Marie. Cada encontro familiar vira um cenário de guerra, com cada um dos membros ofendendo o outro. O preconceito é geral e mútuo entre sogros e genros.
A esperança do casal Verneuil de ter uma "família convencional" fica, então, depositada na filha mais jovem, a bela Laure (Élodie Fontan). A caçula anuncia que irá se casar com um católico chamado Charles (Noom Diawara). Os pais dela vão ao delírio, aliviados por dessa vez terem um genro como sempre sonharam. Eles nem se importam que o rapaz é um ator, algo que normalmente eles implicariam. A alegria da dupla acaba, contudo, quando eles conhecem o noivo. Ele é realmente católico, mas é negro, um imigrante africano. Além do racismo dos pais de Laure, o jovem casal também precisará conviver com o preconceito da família de Charles, que mora na África e também não gosta de saber do casamento do rapaz com uma mulher branca europeia.
"Que Mal Eu Fiz a Deus?" é uma comédia politicamente incorreta. E aí está o seu grande mérito. Os preconceitos são escancarados, sem medo de indicar a forma como a sociedade conservadora europeia enxerga os imigrantes que "invadem" seu continente. O racismo não é apenas de um dos lados. A família de Charles também é muito preconceituosa, principalmente o pai do noivo. Philippe de Chauveron, diretor e roteirista do longa-metragem, não teve medo de colocar o dedo na ferida da sociedade francesa e não fez qualquer concessão ao politicamente correto, algo muito corajoso da parte dele.
Há boas cenas de choques culturais e religiosos. O humor é de certa forma meio escrachado, ao estilo popular. Não espere um humor muito inteligente, pois na maior parte do tempo as piadas são clichês e estereotipadas. Mesmo assim, o filme consegue fisgar a plateia e as risadas são inevitáveis.
A graça deixa o filme leve. Apesar da temática pesada e polêmica, o ambiente é divertido e alegre. "Que Mal Eu Fiz a Deus?", com uma temática parecidíssima ao de "Samba" (Samba: 2014), é filme completamente oposto ao seu conterrâneo recente, pois "Samba" aborda a questão da imigração e do preconceito racial de maneira dramática e com bem menos humor (porém, com uma graça mais inteligente e sofisticada).
As interpretações de todos os atores estão boas. E olha que isto é uma coisa difícil para um filme com tantos personagens centrais, cerca de 10 integrantes da família Verneuil (casal principal, quatro filhas e quatro genros) e mais os membros da família Koffi (do quarto noivo). A trilha musical e o ritmo do filme também merecem citação positiva.
"Que Mal Eu Fiz a Deus?" é um filme atual, com uma temática relevante. Ele é engraçado e irá agradar quem não espera nada muito requintado. Afinal, não é porque é cinema francês que não se possa fazer algo popular e despretensioso.
Veja o trailer desta produção:
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