"A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" (Companhia das Letras) é a divertidíssima novela de Jorge Amado publicada originalmente em junho de 1959 na revista Senhor. A solicitação por uma história do escritor baiano partiu de Carlos Sciliar, responsável pela preparação da revista, que queria um conto de Amado publicado nas primeiras edições da nova publicação. O criador de Gabriela e Dona Flor atendeu ao pedido do amigo e em uma semana a história estava pronta e revisada.
A novela foi incluída, em 1961, no livro "Os Velhos marinheiros" junto com o romance "O Capitão de Longo Curso". Em 1967, "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" ganhou a sua primeira edição independente pela editora Martins Fontes. Rapidamente o sucesso do livro se propagou pelo mundo, sendo publicado em vários países e em vários idiomas. Ele também foi transformado em peças de teatro, balé, filmes e programas de televisão.
Jorge Amado criou uma verdadeira obra prima, um clássico da nossa literatura. "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água", pelo seu tamanho e sua dinâmica, não é considerado um romance nem um conto, e sim uma novela. O livro é bem conciso, tendo menos de 100 páginas. Ele foi diagramado em letras grandes e com grande espaçamento de linhas. É possível lê-lo em duas horas. Foi o que eu fiz ontem. Li enquanto ia e voltava de ônibus do trabalho.
A história dessa obra é sobre um homem chamado Joaquim Soares da Cunha. Até os cinquenta anos de idade, ele era um respeitado funcionário público de Salvador. Casado, com uma filha, tendo uma situação financeira tranquila e sendo estimado pela sociedade local, Joaquim certo dia resolveu abandonar tudo (família, amigos, casa, emprego, dinheiro e posição social) e se jogar nas ruas da capital baiana como um mendigo. Passa, portanto, a beber, a viver na boemia e se dedicar a vadiagem. Torna-se ídolo dos malandros, dos pés-rapados e das prostitutas das velhas ladeiras de Salvador, ganhando o apelido de Quincas Berro D'Água. Enquanto Quincas Berro D'Água leva uma vida de cachaceiro boêmio, a antiga família dele se envergonha da figura na qual Joaquim se transformou.
Quando o livro "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" começa, já descobrimos que seu protagonista morreu. Tem-se aí o grande mistério da obra: como isso aconteceu? Há basicamente duas versões para o fato: uma da família e outra dos amigos das velhas ladeiras da cidade. Enquanto somos apresentados a essas variantes, tem-se uma disputa sobre como deve ser o velório do falecido. A filha, o genro e os irmãos de Joaquim Soares da Cunha querem enterrá-lo com dignidade e compostura. Por isso, colocam uma boa roupa nele e organizam os procedimentos convencionais de um enterro. Os amigos de vadiagem não concordam com aquilo, querendo outra alternativa para a despedida de Quincas Berro D'Água. Por isso, eles furtam o cadáver do velório e levam o morto para uma última festa, regada com muita bebida, música e animação. A alegria da turma e o nível alcoólico são tão altos que todos acreditam que Quincas está vivo.
Essa é uma história cômica e pitoresca. O morto praticamente ganha vida novamente nas mãos dos seus amigos de copo e de farra. As confusões provocadas pelo grupo se arrastam ao longo da poética narrativa, surpreendendo o leitor. Há muitos elementos fantasiosos em "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" (a filha ouve o pai morto falar, os amigos conversam com o defunto e a natureza parece fazer as vontades do falecido). De certa forma, Jorge Amado se antecipa a geração de romancista latino-americanos que a partir da década de 1960 lançou o gênero Realismo Fantástico.
O livro confronta o tempo inteiro os personagens simples e pobres de Salvador com os ricos e bem afeiçoados. Os primeiros são descritos como alegres, espontâneos, sinceros e de bem com a vida. Já os segundos são retratados como orgulhosos, avarentos e mal-humorados. Difícil não se identificar e estimar as figuras simples e divertidas dos tipos populares (Curió, Pé de Vento, Negro Pastinha, Cabo Martim e Quitéria do Olho Arregalado) e desprezar os membros da alta sociedade (Vanda, Leonardo, tia Marocas e tio Eduardo).
Uma marca de Jorge Amado é a sua oralidade. O tom da narrativa é parecido com aquele de alguém nos contando uma história em uma mesa de um bar. O narrador conversa informalmente com o leitor, expondo as dúvidas, as versões dos fatos e as impressões dos acontecimentos relatados.
Este livro pode ser classificado como sendo da segunda fase da carreira de Jorge Amado, quando o escritor baiano abandonou as críticas sociais e políticas (típicas da primeira fase) e avançou para a crônica de costumes, para o erotismo e para o tropicalismo (segunda fase). Assim, a escrita de Amado deixa de ser ancorada no drama e na tragédia para se embasar no humor e na farsa.
"A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" é um livro incrível. Apesar de diminuto em seu tamanho, ele é de grande representatividade para a literatura brasileira. Trata-se de um clássico de nossa cultura e uma leitura obrigatória para quem deseja conhecer o talento de Jorge Amado com a escrita.
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