Se o livro anterior do Desafio Literário, "Febre de Bola", abordava o futebol, em "Alta Fidelidade" (Companhia das Letras), o romance de Nick Hornby que será analisado no post de hoje, as temáticas centrais são a música e o relacionamento amoroso do personagem principal. Além da mudança de assunto, esta publicação marca a estreia do escritor britânico no gênero ficcional (o livro anterior se encaixa mais na categoria autobiografia e memórias).
Lançado em 1995, "Alta Fidelidade" rapidamente se tornou cultuado por uma geração ávida por encontrar na literatura os elementos da cultura pop vivenciados no dia a dia e por ver refletidas nos personagens as características do seu comportamento cotidiano. Com vendagem superior a um milhão de exemplares, o livro transformou seu autor em um verdadeiro pop star em seu país e porta voz de uma geração.
O grande mérito de Nick Hornby, a meu ver, foi ter construído personagens contemporâneos e disfuncionais em suas obras. Os gostos, os hobbies, os defeitos, os hábitos e as obsessões das figuras criadas nos livros são similares aos dos seus leitores. O público do escritor, portanto, se identificou com essas criações, amando as histórias e louvando o autor.
Em "Alta Fidelidade", o personagem principal é Rob, o proprietário de uma loja de discos. Desde a infância, ele é apaixonado por música, ouvindo incansavelmente as canções, colecionando vinis raros, gravando fitas e definindo a personalidade dos amigos, dos familiares e das namoradas pelo que eles ouvem no rádio, na vitrola e no toca discos. Com o término traumático do namoro de longo prazo com Laura, com quem dividia o apartamento, Rob mergulha em uma fase depressiva. Ao invés de encarar os problemas de frente (sua loja está à beira da falência e sua vida pessoal vira de ponta-cabeça), ele mergulha ainda mais no mundo musical, ouvindo sem parar as canções melosas pop que o fazem lembrar a todo instante da amada perdida.
Ele também passa a fazer várias listas (chamadas de top five) com o ranking das melhores e das piores coisas sobre determinado tema. Por exemplo, Rob lista os términos de namoro mais memoráveis da sua vida, os empregos dos seus sonhos, os itens que mais gosta na ex-namorada e os melhores filmes de Dustin Hoffman. Entretanto, suas listas prediletas são as relacionadas à música: as melhores primeiras faixas de todos os tempos, as melhores canções quando se está bravo e as músicas mais melosas já produzidas.
Enquanto vive com a cabeça no mundo da lua (ou seria na música), Rob tenta resolver, a seu jeito, os problemas de relacionamento, as dificuldades profissionais e as limitações financeiras. Seus únicos apoios são seus dois amigos, Dick e Barry, que também são seus funcionários na loja de discos. A dupla também é louca por música e não possui maturidade suficiente para tratar de assuntos adultos e sérios, tornando ainda mais complicada a vida de Rob.
"Alta Fidelidade" é um romance com fortes elementos da cultura pop. Além da música, ele fala sobre cinema, televisão, artes e assuntos da atualidade. O livro contém boas doses de humor ácido (típicas do autor). A linguagem é leve e descompromissada, o que às vezes passa a impressão de ser pobre e limitada. A história em si é fraquinha. Escrito em primeira pessoa (a narração é do personagem Rob), o enredo é muitíssimo simplório e limitado. Não espere uma literatura de qualidade ou com qualquer requinte de sofisticação. Este é um livro de entretenimento, que agradou a uma determinada parcela de leitores de uma geração específica. Talvez você não se identifique com esses valores e com essas aspirações.
A grande graça desta obra está na obsessão dos seus personagens e na imaturidade deles. Praticamente todos os homens da loja de discos (Rob, Dick e Barry) são adultos com mentalidade adolescente. Eles não conseguem encarar os desafios de suas vidas profissionais, pessoais, financeiras e matrimoniais como alguém da sua idade. Assim, praticamente Nick Hornby traz para a literatura contemporânea a figura do que alguns especialistas chamam de "adultescentes" (indivíduos que acabam ficando presos na mentalidade adolescente, mesmo depois de ter envelhecido - um mal cada vez maior em determinadas gerações).
Em suma, gostei de ter lido "Alta Fidelidade" para conhecer um pouco mais do estilo de Nick Hornby. Creio que este livro tenha mesmo o jeitão do escritor. Entretanto, achei a obra fraca. Eu tinha uma expectativa grande em relação a ela, principalmente por ela ter marcado uma época. Ao sairmos do contexto histórico no qual foi escrita e lida, "Alta Fidelidade" perde um pouco do seu valor.
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