"O Gato e o Escuro" (Companhia das Letrinhas) é um dos livros infantis de Mia Couto. Esta obra foi lançada originalmente em 2001. Li a versão ilustrada pela mineira Marilda Castanha. Esta publicação é linda, com um ótimo acabamento e belos desenhos. Como um típico livro para as crianças, este é bem pequeno. Tem apenas 39 páginas e muitos recursos visuais.
O escritor moçambicano afirma ter se enveredado pelo universo infantil ao criar narrativas para seus filhos: "Nunca acreditei que, um dia eu escreveria uma história que iria constar de um livro infantil. Mas sucedeu assim. À força de contar histórias para meus filhos adormecerem, inventei uma convicção para mim mesmo e acredito que invento histórias para a Terra inteira adormeça e sonhe. O escritor traria, assim, o planeta ao colo". Além deste livro infantil, Mia publicou "O Beijo da Palavrinha" (Caminho) em 2006.
Em "O Gato e o Escuro", conhecemos o gatinho chamado Pintalgato. Ele é amarelo com pintinhas. E gosta, em suas excursões fora de casa, de passear entre a fronteira do dia e da noite. Alertado pela sua mãe dos perigos dessa atitude, Pintalgato sempre respeitou as orientações maternas e nunca avançou para além da penumbra noturna. Até que certa vez, banhado pela curiosidade, ele se arriscou para o outro lado. Uma vez na escuridão da noite, o gatinho encontra o Escuro.
Intercedendo pelo filho, a mãe de Pintalgato vai até a sombra da noite e começa aí os belos diálogos travados entre ela e o Escuro. O gatinho percebe, então, que a figura sombria do Escuro é na verdade alguém com problemas de autoestima e com dificuldades típicas de qualquer indivíduo ("Sou eu, o escuro. Eu é que devia chorar, porque olho tudo e não vejo nada"; "Eu sou feio. Não há quem goste de mim"; e "Os meninos têm medo de mim. Todos têm medo do escuro").
O Escuro não é o monstro e o vilão que normalmente as pessoas acham. E o medo que normalmente temos dele é na verdade o medo das "ideias escuras que temos sobre o escuro" ("Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá inventamos"; e "Não é você - escuro - que mete medo. Somos nós que enchemos o escuro com nossos medos"). Pintalgato, ao voltar para a luz do dia, tem seus pelos amarelos com pintinhas transformados em coloração preta.
"O Gato e o Escuro" é uma obra poética ("O espanto ainda o abraçava quando o escutou a voz da gata grande"; e "a mãe gata sorriu bondades, ronronou ternuras, esfregou carinho no corpo do escuro") com uma mensagem simples e bonita. Pelo jeito elaborado de escrever de Mia Couto até fico com algumas dúvidas se as crianças compreendem efetivamente a mensagem em sua totalidade. Nesta seara, as ilustrações de Marilda Castanha ajudam em muito o entendimento do livro. Os desenhos brincam com a relação "claro e escuro" e abordam a cultura africana.
Como é típico de Mia Couto, a linguagem do livro é coloquial e se faz uso disseminado de neologismos ("O escuro se encolheu, ataratonto"; e "metade de seu corpo brilhava, arco-iriscando"). As metáforas utilizadas também ajudam na explicação para as crianças e para os adultos das ideias expostas ("Quando olhava o escuro, a mãe ficava com os olhos pretos. Pareciam cheio de escuro. Como se engravidassem de breu, a abarrotar a pupilas"; e "Pintalgato fitou o fundo dos olhos da sua mãe, como se debruçasse num poço escuro").
A fábula aborda um tema universal do mundo infantil: o medo do escuro. Segundo o autor: "A maior parte dos medos que sofremos, crianças e adultos, foram fabricados para nos roubar curiosidade e para matar a vontade de querermos saber o que existe para além do horizonte". A partir dessa temática, constrói-se uma narrativa bonita e muito figurada, elucidando a questão do ponto de vista lógico e humano.
Quem precisa de um livro diferenciado e poético para ler para seus filhos à noite ou precisa tirar o medo da escuridão da criançada, fica aqui uma ótima dica: "O Gato e o Escuro", de Mia Couto.
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